26 de jul. de 2012

Bolas de jogos diferentes


Volta e refaz esse gesto que põe à tua alma um nome, pois é à beleza (e não à inteligência) a quem o poeta mais deve
Nos livros onde ele mesmo aponta os seus calotes…

Volta
Para que sobre uma cópia do sublime eu possa rabiscar à vontade
Uma ode triunfal…
Sobre os cigarros gastos em vão,
Sobre a cerveja que já não mata a sede,
Sobre as lágrimas que eu gostaria de perder se, num acaso, sob as cinzas do cinismo
Fosforescesse ainda alguma luz de humanidade por alguém…

É sobre a dor de sermos tão diferentes,
De ver em ti só beleza e de tanto veres em mim e tudo sem isso e fama
Que o chão racha entre nós sem cavar muito
Um abismo!

Trocamos os beijos
Tocamos as mãos
E rolamos como bolas de jogos diferentes
Cada um para o seu lado universal…


22 de jul. de 2012

Religião


Hoje é Domingo – dia do Senhor! É precisamente o dia a seguir àquele em que o Senhor disse nas escrituras que queria descansar, ou seja, o Sábado!

O que me faz (quase) odiar os cristãos é a tendência (quase) natural para a hipocrisia, a transmutação das fórmulas divinas em função da conveniência. Assim é o Cristianismo: Adapta-se.
O Velho Testamento tornou-se obsoleto? - Inventa-se um novo.
Cristo nasceu em que dia? - Who cares? - Festeja-se a 25.
“Deixa tudo e segue-me!” - disse Cristo
- Com certeza, vou só calçar os meus sapatinhos Prada e dar indicações ao chauffeur e à segurança para Te seguir no Papamóvel!

Adão e Eva? – Ok, é uma metáfora e ninguém precisa de teólogos altamente intelectualizados para darem uma resposta mais cabal do que essa. Basta que parem de ensinar isso às crianças que sacrificam os Sábados a meter chiclas debaixo dos bancos da catequese;

E que é isso de acender velas?

Eu vendo ‘velas’ na loja que duram 45 dias. Em boa verdade, aquilo não são bem ‘velas’, ainda que nelas figure a imagem da Nossa Senhora de Fátima e uma oração, não em Aramaico (que era a língua de Jesus) mas em português porque Deus é poliglota e também diz WTF.
Gostaria de perguntar ao Vaticano quais as velas que funcionam porque, se pensarmos bem, faria se calhar mais bem ao espírito dos defuntos um holofote apontado, com luz elétrica – um daqueles holofotes que chama o Batman mas com a imagem de um santo. Não querendo aqui entrar no âmbito da indústria cosmética, pergunto-me que tipo de cera (ou mesmo de pavio) resultará melhor para maquilhar as ações terrenas de um defunto…

Poderia continuar nisto a noite toda mas, muito sinceramente, e porque a Religião não serve para nada, senão para nos perdoarmos mais depressa à custa de uma confissão, vou cagar e fumar um cigarro!


Kit Deus ou L' enfant Terrible


De onde vem esta vontade de ser tudo
E botar-me depois a um desterro de leitugas como se fosse nada?
Embrulhar-me finamente no passado em película aderente,
Em folha de alumínio
E deitar-me ao lixo…

Não te sei explicar, pai, quem sou!
Mas não posso mais correr contra mim
E serei teu pródigo filho
Enquanto um elevador de acrílico transparente,
E sem poço,
Me guiar sobre o mar…

Carrego uma dor no espírito a que só a morte de um filho que nunca terei
Se pode assemelhar
E chamo-lhe Poesia,
Amor,
Violência doméstica…

Não, pai,
Não te sei explicar quem sou!
Mora em mim o desprezo minimal que trucida os afetos
E a combustão que expulsa os nados;
Mora em mim um próprio deus
Que traz num kit embutido os próprios pregos…

Não sei pôr-me nas tuas palavras,
No teu relógio (que é o mesmo de toda a gente
E só não é apenas o meu),
Ainda que nele sempre haja todo o tempo do mundo para mim…

Deve ser a isso que os tios e tias francesas chamam d’
Enfant Terrible…


Prece ateia


Havia nas tuas costas um mapa que apontava ao céu
E dourava as vielas com o traço florido daqueles livros que se vendem nos supermercados.
Quis perder-me nesse caminho
E tropeçar nos teus beijos por onde uma fresta de luz vaga
Alumiasse apenas metade do chão pedregoso
E o nosso corpo de vultos…

Na estrada
A caminho de casa,
E como se fosse para lugar nenhum,
Pensei no sorriso que devem ter os teus olhos quando beijas e
Na cautela que te impele a feminilidade quando és beijada
E quase voltei para trás…

Mas não havia senão um sentido para o motor que rugia às curvas
Vagando as orlas de luz pública
Como um selvagem Mustang…
Pela estrada fora
Que é para o rebelde sem causa
O purgatório e a purga!

Uma vez em casa,
Onde me faço prisioneiro dos silêncios, das sensações e de tudo,
Perscrutando nas músicas sofridas dos anos oitenta uma prece ateia,
Consigo distinguir ainda na mão que me cansa o queixo
Um vislumbre de fruta perfumada
Que a tua mão deixou num toque
Cair o meu coração de maduro…

Era quase manhã
E os pássaros gritavam-se a matar a noite de ontem
Para beber um copo de água
Deitar-me
Dormir…


20 de jul. de 2012

Nassidéria


Dei-me a volta
Como se dão em créditos as máquinas que flipam
E fiquei feliz sem memória.
Guardei um jeito de meter moedas onde nada vale a pena
E de ignorar quem me vale…

Quando me perguntaram o que atingi
Tive vergonha de o dizer
Pois era inútil
Como é inútil ter-se os mais belos sonhos do mundo
E falar com propriedade de capitais e países que não existem...
Como da Nassidéria,
Que em tudo difere dos outros países da África Subsaariana

(Um país fabuloso que não aparece nem aparecerá nos livros
Por enquanto este texto não for merceado
Em linguagem comum.

A Constituição da Nassidéria é uma página redigida em branco
Que nos impele a um origami mental de deveres potencialmente impraticáveis
Que, não raras vezes, desagua em magníficas declarações de amor…)

Pois,
Mas atingi pouco, muito pouco
Para onde se anda com papelitos de saltar pocinhas de fronteiras…

Fui praticamente (e apenas) a Espanha comprar caramelos
E comprimidos para a tristeza…

É giro, aquilo!
Achei no centro histórico de Pontevedra uma vontade em ser de lá
Estrangeiro
E trocar impressões do mundo
Quando no fim do trabalho lá fosse tomar cerveja a um café…

Não é propriamente a Nassidéria,
Com as suas encostas rochosas
E os seus elevadores de acrílico transparente e sem poço
Sobrevoando o mar
Mas…
Tendo em conta o meu habitat natural…
Talvez me fizesse bem relegar esse outro espaço de ninguém
Para destino de férias.

Aquilo é engraçado!
Aquilo às vezes faz tirar-me a mão da cara,
Dar com os olhos um estalido no canto da boca
E um tiro de nada pró ar com o dedo indicador…


15 de jul. de 2012

Nona viral


Eu quero fornicar-te com o meu coração
Ir-te e vir de ti envolto em película translúcida
Tocar-te nas trompas de Falópio
Uma nona viral…

Não me peças o céu
Que isso é uma invenção dos cristãos com vistas curtas!
Onde tocares é teu
Onde tomares com mais pertença
Sou açúcar mascavado…

Ganha no sexo aquele que mais rouba ao adversário
E perde (como na vida real)
Quem pouco se entrega à tarefa de sugar o tutano
Que uma verdade muito própria inventou
Para ser feliz. 


9 de jul. de 2012

Não me abandones agora ó Poesia


Não me abandones agora ó Poesia
Que tivemos uma conversa tão interessante no carro
E seria uma pena desperdiçá-la
Só porque chegamos a casa!

Falemos baixo
Que os nossos pais dormem
Mas não tanto que te leve o silêncio
A pedir licença!

Estivemos hoje no interior de um coração,
No bastidor – quero dizer –
No bastidor!
Onde a força humana empurra para o palco um entulho mecânico
Que unido serve de holofote
Aos corações de girassol.

Deita-te,
Se estiveres com sono,
Em duas ou três cadeiras
E usa o meu colo de almofada
Para que no cofio dos meus devaneios
Toque o cheiro dos teus cabelos…

Faz-me chorar, Poesia,
Como se fosses no meu colo um filho doente
Sem remédio!

Pega-me pelos cornos
E exibe-me ao mundo como um nado morto!
Faz qualquer coisa de mim
Porque eu já
Não
Consigo…