28 de mar. de 2010

Horas Mortas

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É quase domingo e a bebedeira pesa nos ossos como chuva a mais no Inverno. Sai-se do bar e cada um carrega uma ideologia própria de ser livre e estar bêbado. Os carros circulam com um romantismo veloz, dentro de si próprios, ausentes para o realismo deambulante que trucida as avenidas. Alieno-me como quem faz de conta que vive para, ao fim, ao cabo e a meio do caminho, inventar hipóteses por uma estrada de alcatrão na minha cápsula de sentir com motor à frente e mala atrás.
Não tenho nada de novo para dizer. Não hibernei salvação alguma que pudesse ser jogada ao mundo para o salvar de si próprio e, no entanto, acho-me discorrendo sobre um nada que une as pontas todas.
Acendo um cigarro e despenteio-me buscando conforto. Bebo por um gargalo ciente de levar mais merda nos intestinos que rancor no peito, se agora me viajasse por uma vereda de silêncios.
Hoje mudou a hora! Atrasou. A mudança horária dá-se sempre entre a meia-noite e as zero horas. Dependendo da perspectiva, não é propriamente "hora de ponta", nem consta que acelere o trânsito intestinal…
...vá, não sejam porquitos!
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18 de mar. de 2010

Mergulho dos sentidos

Seus olhares tocaram-se trespassando toda a plateia que os distanciava. Nesse instante, captado por tais vibrantes focos visuais, tudo o que os rodeava, a ele,os instrumentos,os sons, as vozes, a ela,os corpos de diferentes formas, estonteados e embrenhados na sonoridade, se esbateu e dissipou num vulto fantasmagórico.
Segundos passaram e as formas assumiram novamente os devidos contornos. O êxtase recolheu-se no interior de cada um. Ele lançou-se na música compulsivamente , seus dedos agarravam as cordas do seu baixo com tal vigor que tais vibrações fizeram-na estremecer e sentiu- se tocada por tal paixão,por tamanho ímpeto musical...
A noite prosseguiu até o concerto findar... Por entre o rubro da multidão ele viu-a afastar-se em direcção à praia.
Com receio de a perder de vista saltou do palco e correu até a alcançar. Ela esperava-o. À sua frente tinham o mar e uma lua redonda e prateada suspensa no tecto celeste.
Sem se voltar para ele, deu-lhe a mão e conduziu-o para um pontão onde a rebentação das águas se fazia ouvir à medida que se aproximavam... Já debaixo desse pontão onde o ar húmido predominava ela voltou-se de frente para aquele corpo másculo e sedutor e ficaram ambos a um passo um do outro.A sua beleza exótica despertara nele um invulgar desejo... agora diante dela sentia-se criança perante o olhar dócil e profundo vindo do ébano dos seus olhos. A sua tez morena e dourada pelo sol encerrava em si tesouros a desvendar. Lembrava-se agora que antes ao vê-la afastar-se e enquanto corria no seu encalço não atentou nas formas do seu corpo, fixara-se sim ,nos seus longos cabelos pretos que reflectiam o prateado da lua e o seu longo vestido azul com um céu desenhado acima da areia quente .Subitamente estremeceu... sentiu os seus lábios, aqueles mesmos lábios rosados que à instantes o fixavam com a mesma intensidade que o olhar hipnótico e místico dela. Ao mesmo tempo que o beijou suas mãos continuavam enlaçadas. Elevaram-se ... ele deixou conduzir sua mão até ao ombro dela, os beijos aumentaram de ritmo até que sua mão que continuava a ser conduzida pela dela, soltou uma alça do seu vestido azul deixando descair esse delicado tecido desnudando uma parte do seu peito deixando um dos mamilos a descoberto. Ela queria que ele a tocasse com o mesmo frémito com que tocava no seu baixo, como à instantes vira naquel palco à beira mar sonante.Assim agarrou com mais força a mão dele até tocar o seu mamilo duro como bagas. Cada beijo aumentava o calor dos seus lábios, fazia aquecer aqueles corpos... logo o vestido caiu na areia e as mãos dele deslizaram pela suavidade das suas formas com uma languidez tal que ela lançou seu corpo contra o dele como sinal que desejava ser possuída.

(continua)- Esta é a minha homenagem a uma ilustre senhora que acrescentou à escrita a sensualidade e o erotismo-Anaïs Nin

11 de mar. de 2010

Nojo de Relógios

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Odeio os relógios porque não tiram folgas! Lembram-me aqueles patrões que não conseguem parar de trabalhar, exigindo aos seus funcionários o mesmo vigor. Mas é preciso ganhar a vida! - e eu sei-o de cor desde que nasci de borla, lembrado pelos meus semelhantes em porções de tempo como sal a mais na comida. Fiel aos ensinamentos de Agostinho da Silva, enxertado por mim à família como um terceiro avô, corroborei a sua visão de uma vida dada mas não sem esforço.

Sou preguiçoso, admito! Invejo com admiração aqueles cuja natureza enxota da cama como cães a fugir de pedradas. Mas uma coisa é ser ocioso de vício, sem argumentos para mais um copo de vinho, e outra é ser escravo de um ter que dizer agrilhoado que não deixa dormir. O resultado é, em suma, o mesmo: - uma inabilidade para as coisas que providenciam sustento!

Concebo-me, em pensamento, tolhido e magro como um escritor romântico oitocentista a contas com uma tuberculose de humidade - nos ossos e nos bolsos de bolor! - sem pressa para o crivo da rua que medeia o calor da tasca com a manta de fantasmas que se alevanta à janela de umas águas furtadas.

Sou aquele que se revolve na cama sem notar
E, tendo de contar como passa o dia,
Conta o sonho que lhe veio de noite,
Para no próximo se expiar....


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