31 de ago. de 2009

Competividade

PS: Esta missiva não foi sujeita a censura pelo que, visto tratar-se de uma divagação intercalada por uísques menores, está tão sujeita aos meus próprios reparos como à interpelação de outros uísques e/ou ideias.

Não me falem de competitividade. Se os meus pulmões estourassem e viesse de lá um monstro com toda a minha dor nos seus movimentos e a expurgar dos olhos uma placenta com os meus tecidos, chamar-lhe-ia COMPETIVIDADE!
Ensinaram-nos esta ladainha na fila dos impressos quando já estávamos fartos de olhar para o relógio e para a publicidade institucional e não nos deixaram acender cigarros para tocá-la com sentimento à guitarra. Chamam-nos por um número…

(não vos quero meter no meu número. Falarei na 1.ª pessoa…)

Chamam-me por um número que nem é o meu favorito nem cabe no Euromilhões para expurgar o meu azar. Chega a minha vez para descodificar o economês e a música de Simon & Garfunkel soa a cantilena de berço…

A lavagem cerebral estende-se como o sabão de uma roupa lavada nas pedras do rio mais a nascente e que vêm por aí abaixo a dar de beber.

Levo com um filme ao domingo que me faz simpatizar com a história triste dos nerds com sentimentos que tentam conquistar a miúda aos populares sem sentimentos. Durmo nos quarenta minutos de intervalos para publicidade e acordo para o desfrute amoroso do nerd que sacou a gaja e se vingou dos outros palhaços que, indubitavelmente, acabaram na merda a recuperar num sanatório depois de experiências com drogas, ou a apanhar sabões numa cadeia manhosa com homossexuais agressivos. E custa-me que alguém acredite nisto como retrato da sociedade e acorde para uma segunda-feira de trabalho com o espectro dos seus sonhos a fazer-se suportável em nome de uma competitividade que exige o sacrifício dos mais fracos para encher a boca de pão aos filhos de quem os tem e pagar as aulas de karate, de canto, ballet ou os sonhos adiados de uma puta que os pariu e os projectou na sua descendência, como forma socialmente aceite de exorcizar tudo o que não experimentou e encher de glória os seus rebentos, em detrimento dos outros. Como se tudo fosse um fogo-de-artifício e toda a gente falasse no fim, dizendo: - “o meu filho estourou mais alto que o teu”.

Hoje ouvi uma mulher dizer, orgulhosamente, que trabalhava numa fábrica de armamento na América e disse mal do Bush, mas sem formalizar. Como se, por acaso, tivesse sido levada pelo Amistad e estivesse agora fazendo um trabalho escravo, que tem de ser feito, independentemente de quem o realiza; como se as balas que ela afina fizessem dela menos culpada só porque alguém ordenou o seu uso.

Ah, mas eu não! Eu não pactuo com essa miséria miserável. E se fosse possível ser ainda mais miserável, e andasse acontecendo pelas ruas com um copo de papel a pedir esmolas, teria razões menos suficientes para acabar comigo. Não acredito na paz! É só uma utopia como outra qualquer. Não acredito enquanto continuarem a laborar essas máquinas de administrar a morte; não acredito enquanto o Homem mantiver a necessidade apócrifa de espalhar a sua ideologia como se tudo o que existe tivesse de ser destruído para dar lugar a um pensamento maior; como se continuassem as cruzadas mas com um deus diferente, ou outro discurso mais plausível...

O nosso destino é estourarmo-nos uns aos outros e não estar cá para ver o respirar do cosmos depois da passa que ele nos deu ou nós lhe demos.

E termino com a resposta mais odiosa e ignorante que conheço: - “É assim!...”


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26 de ago. de 2009

Afago

Estar aqui e apenas aqui parece irrevogável...
O vento passa e afasta o corpo da penúria da morte,
um silêncio liquefeito personifica o medo,
embebido no balsamo purificador das paixões fugazes...

Da casa ao lado,
chega um som arrastado de duas mãos tocando piano.
Mão incansável . Espírito ausente.
Ouço ainda o comboio distante sem passageiros
e a chuva num retumbar continuo no telhado...
Tudo passa, o resto, o pouco, fica.
Esqueci o cheiro da terra.
Deixei de pertencer-lhe.
Ouço vozes que não a minha mas que nela se confundem,
em cada passo dado, antevejo a ausência de um encontro...
Deixo-me afagar pela descrença na fatídica razão.

MEMÓRIAS DE PAREDES DE COURA 2009 – A saga canta nua

Olá, meus pequenitos!

Estávamos todos muito ansiosos por este momento, não é verdade? Em bom rigor, não me lembro de tanta ansiedade acumulada desde os tempos do Buéreré em que, tanto pais como filhos, sugavam episódios inteiros de desenhados animados, na esperança de ver as cuecas à Ana Malhoa, quando ela cantava (e dançava) no intervalo dos macacos.
Entretanto, a cachopa desapareceu dos ecrãs e a miudagem ganhou buço e borbulhas; os pais voltaram-se para as minis e a realidade reinventou-se ébria, com episódios mais frequentes de violência na doméstica.

Os anos foram passando. Atravessamos a risca do milénio sem um fim de mundo maior que o dos anos anteriores e, já depois do advento dos Morangos com Açúcar, o fenómeno da ansiedade ganhou nova erecção: - uma publicação de índole erótica prometia escarrapachar a garota nas suas páginas, tal como veio ao mundo!

Rrrrrraaauuu!...

Num breve acesso de loucura, os cachopos ousaram depor a Cláudia Vieira do seu colo de fantasias e ficaram batendo píveas com o coração posto na meninice… comeram depois sandes, beberam sucos de fruta e repetiram-se inventados nos mistérios da masturbação, sem complacência para os milhões de espermatozóides afogados na sanita ou misericórdia para com o gatinho que deus mata por cada punheta.

Depois de muita espera, a revista lá chegou às bancas. Com a língua de fora, como os cães quando vêm de correr atrás dos gatos, a malta deteve-se naquele tufão de pernas que tudo parece redemoinhar. Mas, uma vez feito o scan até cima, a desilusão instalou-se, quase degenerando em motim. As maminhas, outrora pequeninas e lindas, fazendo lembrar os pudins Boca Doce (que dão vontade de lamber só pela textura), apareciam agora desenformadas como duas sandes de paio em pão de mistura com molho de silicone barato à travesti

Desde então, só as minhas memórias de Paredes de Coura são verdadeiramente capazes de vos causar alguma ansiedade e excitação. Vosoutros machos, porém, estais proibidos de sentir o que quer que seja nas belas palavras provindas desta boca com 30 dentes. Caso contrário, obrigar-me-ei a molestar-vos e, Dios Mio, pelas almas tombadas na ponte do tralho, não espereis Alfinetes!

Feito o prólogo, passemos então ao hardcore

Depois dos atrasos do costume, lá saímos do Marco de Canaveses com a viatura mais carregada do que a furgoneta de um cigano com contrafacção. Vimos uns gatinhos mortos pelo caminho (bem sabeis porque morreram!). Para contrariar o abalo nas nossas almas gentis, decidimos trautear umas cantigas, qual família cristã a caminho de Fátima. Da playlist constavam hits tão beatos como “subtilezas porno-populares” ou “esta vida oioai”, dos Ex-Votos. Um regalo de alto coturno, portanto…

Uma vez chegados a Ponte de Lima, fomos almoçar. Bebemos chá de gengibre e ficamo-nos pela comida vegetariana. Nada de rojões ou cerveja. As sobremesas, de origem macrobiótica, eram bastante ricas em ácidos gordos e Ómega 3. Deitamos abaixo mais duas ou três rodadas de chá na esplanada e rumamos a Paredes de Coura.

Uma vez feito o reconhecimento do espaço, optamos por descarregar os sacos pelas traseiras (uma opção recorrente e sempre muito válida, em todos os aspectos)!
Ao passar pelos chuveiros, não pude deixar de dar uma espreitadela. Estava carregado com sacos e mochilas. Logo, o facto de me apresentar naquele estabelecimento com a língua de fora, não causou estranheza de maior… embora um certo esgar e a desproporcionada assimetria das minhas feições levassem a crer que ali se encontrava um tarado da pior espécie.
Suguei fundo aqueles aromas como se estivesse no cume de um monte. Veio-me ao nariz um cheiro pestilento a Distrom e champô, carne mal passada e doenças vaginais. Grávido de inconformismo, abanei a cabeça e esbafori-me aos céus: - “Oh, meu Deus! Tanta inocência varrida por mãos inábeis! Está aqui um trabalho muito mal feito…”

Virei costas e fui de cabeça baixa montar tendas para junto dos outros. “Isto não é bom presságio”, pensei. Felizmente estava enganado! Mas isso agora são outros quinhentos! Por isso não percam o próximo capítulo porque, como dizia a minha velha avozinha, “enquanto tu cagas, netinho, o outro bebe-te as mines…”

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12 de ago. de 2009

Os começos

Vivo de começos, de despertares já obsoletos pelo continuo acontecer.
O entusiasmo de um inicio, de um despontar de sensações adormecidas e sentenciadas como esquecidas é fugaz na continuidade da minha existência.
Como abarcar e purgar o todo incompleto e frágil de um começo?

Fornalha

Estou sentado ao computador a beber cerveja e a suar como um porco porque é verão e as noites são quentes como fornalhas. Mas não me sinto realizado. Como poderia? A poesia não vem e o relógio, que não uso no pulso, chupa-me horas à vida. Sinto-me como os cães lá fora, impotentes para dobrar os portões e desfazer os vadios que lhes vêm cheirar de longe o cio e/ou a gamela. Mas eu posso dobrar-me e o relógio de parede, inventado como uma crucificação parva ad eternum, a sorrir pendularmente, faz-me apertar o cieiro contra os dentes… dou um último gole na garrafa e atiro-lha vazia à cara. O relógio cai e fica a entoar estilhaços no chão, como um acidentado de motorizada. Eu levanto-me e chego-me para ele, com umas botas que guardo desde os anos noventa e, como um rancor de neo-nazi, chuto-o contra a parede. Arranco uma garrafa que serve à mão e saio porta fora, puxando o casaco de cabedal das costas de uma cadeira, indiferente ao barulho, com um baque vibrante de gongos e madeira a ecoar nas têmporas, noite fora, ou adentro…

Entro no carro e vem-me ao nariz um cheiro de couro lavado com spray de tablier. Dou à chave e, mal o motor ruge, meto a primeira e piso fundo no acelerador. Quase me fodo contra um poste e os vizinhos acordam. Levantam-se com ímpeto e vêm à janela para testemunhar uma miséria maior que as suas vidas, mas o acordo sai gorado. Vou já longe para a curiosidade alheia, deixando apenas um rasto de pneu queimado e o eco de um carro que passou sem morada, como a viscosidade de uma lesma sem nome…

Umas atrás doutras, as mudanças servem o meu propósito. Invento caminhos novos, sem auto comiseração para a extensão das minhas necessidades mecânicas e estaciono no ponto mais alto de Montedeiras. Amanhã não vou estar em lado nenhum e escusado será procurar-me. Basta-me a paisagem e este oxigénio para entender o resto dos meus defeitos.
E não me apetece gritar mais nada…

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9 de ago. de 2009

Marionetas ao serviço de Sua Majestade A Podridão

Cenário:Trincheiras almofadadas no sótão do inconsciente

Bombardeiam-se constante e ininterruptamente com gracejos avassaladores da condição humana. O denegrir da imagem do outro é usado para realçar a sua própria miséria não observada.
Simulações e dissimulações seguem-se a um ritmo cortante e destrutivo.
Ninguém sabe o que é mas sabendo-o ficam à margem de si mesmos. Todos procuram um alguém e pensam possui-lo como coisa sua. Um alguém objecto. O ciúme está patente nesta dança de acasalamento e a inveja é a sua fiel companheira.
Alguns julgam-se mais do que são e passam a sê-lo na realidade.... outros porém ficam na sombra a descolorar.
Sem opinião erguem-se os que afincadamente seguem os cabecilhas encapuçados aproximando-se do abismo do ridículo...
As coisas que o espectador sente.
Mutilam-se pensamentos, aspirações e desabafos sem a menor compaixão. Daí a necessidade de tudo o resto ser estranho.
Julgamo-nos detentores de verdades que pobres chacais farejam na parte do alheio de nós. Não podemos, não devemos confiar. Duvidar e questionar, as cordas que sustentam as Marionetas.

4 de ago. de 2009

Brandos Curtumes

Uma sondagem recente veio demonstrar que os portugueses julgam haver uma justiça para os ricos e outra para os pobres. Quanto a mim, basta estar atento aos noticiários para se perceber porquê. De vez em quando, lá aparece uma manchete bombástica dedicada às celebridades políticas do costume. Os motivos também são quase sempre os mesmos: - suspeita de corrupção; licenciamentos de legalidade duvidosa; tráfico de influências; fuga aos impostos e contas em offshore; sinais exteriores de riqueza a parecer semáforos, etc., etc.

Este punhado de costumeiros faz sempre as suas entradas à saída dos tribunais, ora queixando-se de cabalas políticas ora questionando a legitimidade das acusações por parte do Ministério Público, escudando-se no apoio popular democraticamente expresso no resultado das últimas eleições. Uma indignação de meter pena, portanto!

Ora eu, que sou uma pessoa sensível e muito meiga, fico logo com um pingo de ranho no nariz, a soluçar impropérios contra as injustiças deste mundo obradas na dignidade das pessoas de bem. Outras vezes, dá-se-me para rir mas isso é porque também sou um bocado traquinas.

Agora mais a sério, e até porque já falei de políticos quanto baste, o motivo deste post não é condenar em praça pública quem tem de responder sazonalmente pela sua honra.

Convenhamos que estar alapado na cadeira do poder não é fácil. Primeiro, porque a maior parte delas são feitas em madeira de pau-santo. Eu tenho duas ou três no escritório e (acreditem!), o desconforto começa a sentir-se muito antes de se efectuar um login com sucesso! Em segundo lugar, passar a noite sentado nelas, numa sessão da Assembleia Municipal, ouvindo impropérios ou respondendo por mesquinhices sem fundamento, basta para arrepiar o testo a qualquer um… e todas as oposições sabem isso! Não deve ser nada fácil!

Ainda mais a sério, e em jeito de conclusão, interessa-me reparar e chamar a atenção para alguns detalhes, deixados sem provimento pelas artimanhas do populismo e do Marketing político, e por mim chutadas em jeito de questão:

- Onde mora a inocência de uma pessoa condenada a uma porrada de anos de prisão efectiva e que, depois de recorrer, sai em liberdade com uma pena de dois e três anos de pena suspensa?

- Em que vão de escada mora a Justiça quando a lei, que supostamente a advoga, num dia condena um ser humano a 15 anos de cadeia e, dias depois, com uma reprimenda moral, o deixa beber champanhe no conforto do lar, pago com a fome dos saqueados.

Em suma, que puta de régua é esta?

Sabei por mim, que sou de confiar, mas em jeito de segredo: - a Justiça já não habita em lugar nenhum. Ocupa o coração dos homens livres e fá-los carpir com a sua depressão.

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