Estou sentado ao computador a beber cerveja e a suar como um porco porque é verão e as noites são quentes como fornalhas. Mas não me sinto realizado. Como poderia? A poesia não vem e o relógio, que não uso no pulso, chupa-me horas à vida. Sinto-me como os cães lá fora, impotentes para dobrar os portões e desfazer os vadios que lhes vêm cheirar de longe o cio e/ou a gamela. Mas eu posso dobrar-me e o relógio de parede, inventado como uma crucificação parva ad eternum, a sorrir pendularmente, faz-me apertar o cieiro contra os dentes… dou um último gole na garrafa e atiro-lha vazia à cara. O relógio cai e fica a entoar estilhaços no chão, como um acidentado de motorizada. Eu levanto-me e chego-me para ele, com umas botas que guardo desde os anos noventa e, como um rancor de neo-nazi, chuto-o contra a parede. Arranco uma garrafa que serve à mão e saio porta fora, puxando o casaco de cabedal das costas de uma cadeira, indiferente ao barulho, com um baque vibrante de gongos e madeira a ecoar nas têmporas, noite fora, ou adentro…
Entro no carro e vem-me ao nariz um cheiro de couro lavado com spray de tablier. Dou à chave e, mal o motor ruge, meto a primeira e piso fundo no acelerador. Quase me fodo contra um poste e os vizinhos acordam. Levantam-se com ímpeto e vêm à janela para testemunhar uma miséria maior que as suas vidas, mas o acordo sai gorado. Vou já longe para a curiosidade alheia, deixando apenas um rasto de pneu queimado e o eco de um carro que passou sem morada, como a viscosidade de uma lesma sem nome…
Umas atrás doutras, as mudanças servem o meu propósito. Invento caminhos novos, sem auto comiseração para a extensão das minhas necessidades mecânicas e estaciono no ponto mais alto de Montedeiras. Amanhã não vou estar em lado nenhum e escusado será procurar-me. Basta-me a paisagem e este oxigénio para entender o resto dos meus defeitos.
E não me apetece gritar mais nada…
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12 de ago. de 2009
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2 comentários:
O silêncio é que te ouve e fala.
Nele És.
O deserto em ti contém,
miríade de gritos não silenciados. Ouve-me...
Entoou um eco,
numa balada,
envolvida em mistério.
Esta dança não tem um fim...
o tempo perguntou ao tempo, quanto tempo, o tempo tem...
ai, o tempo!...
essa página impávida mas incerta onde se inscreve a vida, imortal e escusada que nos cabe conter e carregar até dela por fim morrer e enfim passar...
pois! como arde na fornalha do corpo que se consome e apaga a chama duradoura dos príncipios... quando continuar vivo bastava e todos os animais falavam...
como se aceita a finitude quando se contém o infinito?... como pode ser que ir noite fora seja também ir noite adentro!...:)
sr. mal, da noite conheço nada, imersa que nela vivo, cega, mas luzindo...:)
sei do dia que será claro!
que do tempo que passa só quero que ele me leve, me faça tão leve que até eu esqueça... e me aqueça ao sol do momento... contra o vento... mas a contento... de tanto me achar perdida em desalento me encontrar brilhando no meio do firmamento...
"o relógio de parede, inventado como uma crucificação parva ad eternum..." é cá uma imagem do camandro, simplesmente maravilhosa de imaginar.
e sim, é isso, é isso!...
o Tempo...:)
o tempo arde, urge, não é?
vá, vai uma mini?
eu gosto de cerveja preta...
agosto, luar no rosto, não é o que dizem?... então...:)
"necessidades mecânicas" não entendi tão bem, e a não ser que tenha a ver com carros, não vejo o que poderiam evocar... já, "paisagem e oxigénio", mais gazes de tubo de escape ainda fumegante, digo eu, no alto de qualquer monte, parece-me a mim que abriga os defeitos de qualquer homem! e mesmo os obrigaria a afagar-lhe na brisa fresca duma noite de verão,a garganta dorida e cansada de tanto os gritar, afim deles se livrar...:)
Cesso de açambarcar a sua caixa de comentários... com tanta teoria blogosférica avulsa...:)
ps. seja benvindo...
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