25 de fev. de 2013



Eu queria correr contra os teus nãos,
Impedi-los de acontecerem como se não tivessem já acontecido…
E vestir a esperança como quem veste um fato usado para ir a funerais
Ou entrevistas de emprego.

Estou tão morto que não seria capaz de tocar a tua raiz
Se num acaso fosses flor sobre a minha sepultura.
Até os murcões que sobre o meu peito fazem banquete
Falam de ti com mais propriedade
E sabem do teu sorriso como de ver-te passar à frente de uma porta aberta…

Durmo no teu perfume
Como um animal atropelado e às cambalhotas na autoestrada
Insuflado de morfina e música celestial...

Não espero senão como quem sonha
Que me recolhas do asfalto,
Entre os milhões de pessoas que por lá passam
Numa estrada em que provavelmente nunca passarás…

Que eu te dê um último sorriso
E tu me dês uma lágrima.


24 de fev. de 2013

A Maçã e O Martelo


“E aqueles que foram vistos a dançar foram julgados loucos por aqueles que não podiam escutar a música”, Friedrich Nietzsche

De certa forma, é quase ridículo e irónico estar aqui eu, parado neste momento, a escrever um texto – conjunto de signos convencionados que comportam uma lógica – que incida sobre o legado de Nietzsche. Pois, segundo este, “somente os pensamentos que nos ocorrem ao caminharmos têm valor.” O tempo que perco a tentar coordenar as palavras da melhor forma, a colocar orgulhosamente a pontuação adequada, a ponderar o rumo mais harmonioso para uma frase pode ser insignificante para a história universal, mas, para mim, são momentos vitais desperdiçados. Porque a percepção do tempo belisca cada ser pensante e eu gosto de me sentir um pouco mais do que um mero mosquito.
Seguindo a linha de raciocínio preconizada por Nietzsche, o tempo em que existimos e existiremos enquanto espécie não tem qualquer expressão quando comparado com a sempiternidade do universo, que sempre teremos de aceitar por o nosso conhecimento não ser capaz de encontrar o início e o fim de tudo aquilo que conhecemos. O universo, em si, não é nada. É insípido, incolor, intangível, incomensurável; é apenas fruto da nossa percepção e posterior racionalização. E é aqui que a nossa existência se torna enviesada em relação a todas as outras formas de existir. O universo para qualquer outra espécie é apenas o resultado de estímulos nervosos, desprovidos de qualquer sistematização ou conceitualização. É, portanto, espasmódico.
No entanto, o Homem, culpado ou não por ter criado dentro de si uma série de teias e conexões perigosas e frágeis, mas que ao mesmo tempo lhe dão a desejada sensação de superioridade, vê-se mergulhado numa série de convenções. A verdade e a mentira, o bem e mal, a moral e a imoralidade, o certo e errado, tudo conceitos que toldam a sua percepção e o seu universo, embora aparentemente o expandam. O ser humano usa a palavra como um signo para tudo aquilo que percepciona e racionaliza, sem compreender a falácia em que incorre ao proceder a uma generalização. E, arrisco-me a dizer, todas as generalizações estão providas do erro, incluindo esta.
Perdemos assim a nossa centelha da genuinidade, tornámo-nos seres calculistas, redutores em relação a tudo aquilo que nos rodeia na tentativa de nos amplificarmos e encontrarmos na Maçã1a realização plena. Temos nomes que nada dizem acerca de nós próprios. Temos números que logicamente provam aquilo que não podemos verificar. Temos conceitos e valores enraizados que nos conduzem a cada acção que tomamos. Temos deuses como solução para aquilo que não poderemos nunca perceber. Tomamos o acaso como a principal pedra no sapato, quando, na verdade, o maior de todos os nossos problemas é a pouca homogeneidade e compactação entre tudo aquilo que vamos convencionando.
E o que fazemos quando uma nova ideia põe em causa todas aquelas que entretanto já estão solidificadas, emaranhadas umas com as outras? Activamos o nosso sentido prático! Rejeitamos aquilo que nos desafia e que obrigaria a uma total reformulação. No entanto, o tempo passa e essa ideia assaltará um outro alguém e depois um outro e depois um outro ainda. E começamos a perceber que afinal o impossível batia certo. Raios partam os loucos…!
A dor que sentimos nesse momento não é causada pelo facto de termos sido enganados, mas sim pela vergonha de o assumir. Enquanto pudermos encobrir o erro com a lógica, com a moral, com as palavras, com os números, fá-lo-emos! Diremos “isso é estúpido!” em relação a tudo aquilo que nos escapa enquanto tivermos dentro de nós a altivez do conhecimento empírico. Mas, dentro, alguma coisa bate com o Martelo em todos os alicerces que vamos criando.2 É a dúvida. Consegue, certamente, escutar o retinir do Martelo dentro de si se, por breves momentos cessar a leitura deste texto.

             Plop! Poc! Poc!
            Continuemos, pois já estou a perder imenso tempo com isto e onomatopeias são coisas sem grande lógica. Indo directamente ao assunto – atenção, sinto-me dono da verdade neste momento! –, aquilo a que chamamos vida não passa então de uma mera encenação da existência. Para nós, existir nãos nos chega, até um rato existe. Necessitamos de viver e isso significa mais do que respirar, alimentarmo-nos e reproduzirmo-nos. Significa montarmos um enredo, um tempo, um espaço e um desfecho lógico que o cosmos possa aplaudir quando o Tempo nos fizer cair o pano.
Aquilo que não sabemos é que a Maçã é uma matrioshka infinita. Na verdade – peço desculpa por ter utilizado este termo – não sabemos inúmeras coisas. E chamo-lhes coisas, termo tão pobre, porque embora tenhamos conceitos que as definam, não podemos sequer percepcioná-las. Racionalizamo-las a partir de pré-conceitos. Exemplos desses pré-conceitos são a eternidade e a morte. Nenhum de nós pode compreender o significado que esses termos abarcam, porque nenhum de nós é eterno nenhum de nós ainda morreu. Pese embora a morte ser a ausência total de sentidos e a sabedoria tantas vezes os suprime e dissimula.
Em última análise, somos a personagem estereotipada de nós mesmos, escrita por outras mãos e estruturada por outras vontades que não aquelas que o caos escolheu para nós.
Este texto acaba aqui. Vou agora caminhar um pouco, sentir o vento no corpo e ver se ele ainda tem força para me levar ao meu encontro.


“É naquilo que a tua natureza tem de selvagem que restabeleces o melhor da tua perversidade, quero dizer de tua espiritualidade…“
Friedrich Nietzsche

1 Entender a Maçã como a expressão metafórica do conhecimento, pois segundo o Livro de Génesis a macieira é árvore da sabedoria.
2 Crepúsculo dos Ídolos ou Como Filosofar com o Martelo, obra de Nietzsche, publicada em 1888. O martelo não deve ser encarado como uma ferramenta destrutiva, mas antes como um utensílio que permite verificar a solidez da construção. Aliás, era com um martelo que era verificada a opacidade das antigas linhas dos caminhos-de-ferro.




18 de fev. de 2013

a triste vida de uma ideia


a efémera vida desta ideia
não a deixou fazer-se plena
para ser ideia de uma vida.

a ideia pariu este poema
e o poema parou essa ideia,

ponto

17 de fev. de 2013

quando


as luzes alastram-se pelas ruas e tocam as fachadas
das casas que perdidas permanecem imóveis e frias.
um homem voa desorientado num sonho com contornos autistas
vagueando harmoniosamente ao som de uma insinuação de jazz.

o murmúrio da noite sussurra ao ouvido dos medos e acorda-os,
as árvores estremecem perante a insistência do vento que sopra
e o homem acordado e pousado agora sobre um telhado velho,
tenta escrever alguma coisa,
mas sem ideia nenhuma,
vai dando ao papel alguma coisa nenhuma.

as palavras despem-se para irem dormir
e o homem fica sozinho à espera
sob o olhar sarcástico da lua.

a poesia atrasou-se mais uma vez porque não tem maneiras.
ela não é minha,
não é tua
e muito menos das palavras rotineiras.

avisa
quando
estiveres perto…!

9 de fev. de 2013

OS NOVOS CANAIS COMUNICATIVOS NÃO SÃO TÃO FUNCIONAIS QUANTO OS DE ANTIGAMENTE



Não sei se o direi por mera especulação, mas, tal como o título indica, os novos canais comunicativos não são tão funcionais quanto os de antigamente. 
Hoje, dificilmente se consegue combinar algo com exactidão horária. Estamos sempre a pensar que comunicaremos mais perto do momento, mais ou menos apalavrado, por telefone, sms, facebook, linked in, messenger, email, skype ou fax, e acabamos sempre por fazer esperar o próximo. Pior que isso, eles fazerem-nos esperar ao ponto de levarmos umas boas secas. Vasculhamos as chamadas perdidas, sms's e todas as redes sociais que toda a Ram disponível num smartphone moderno pode comportar, para nos certificarmos de que não estamos a perder a derradeira e tão ansiada mensagem: A q horas? seguida da não menos usual: ah, e onde?
No paradigma comunicativo deste novo século, as novas tecnologias têm avançado no sentido de aproximar os individuos,e ao mesmo tempo,de afastá-las. Senão vejamos; O Zé António do talho saía todos os domingos com a Arminda para um passeio pelos jardins da Arca d´Água. Palavra puxa palavra, até que surge a troca de carícias ferquente entre um casal apaixonado. Ora, desde que surgiram as Sms's, o email e mais recentemente as redes sociais, Arminda obteve o hábito de ficar por casa nesse dia de descanso semana e não ir namorar com o ZéTó (coitado). Na opinião dela, e apoiando-se no velho ideal do "está na moda" tudo o que ele quiser dizer-lhe poderá fazê-lo através de uma das variadissimas opções que os suportes electonicos têm para lhes oferecer. O seu amado concorda plenamente, porém, sustenta que o contacto físico também é importante. E perguntam vocês -Porquê-êê??? Sinceramente,não vos sei responder. Mas posso imaginar o que o leva a tão notável constatação. 
Hoje em dia estar com alguém é prática do passado. As novas gerações estão habilitadas a fazer quase tudo com recurso aos telemóveis, computadores e outros gadgets. Desde falarem com os amigos e familiares ao namoro propriamente dito. Até já lhe é dada a oportunidade de fazerem sexo na rede. Como??? …contanto com o apoio de um dispositivo concebido para o efeito. -Meu Deus, para onde caminhamos ?
Atendendo ao facto do contacto físico de que Zé António fala ter passado para segundo plano, vemo-nos confrontados com o facto dos parentes e amigos mais próximos se apoiarem na tese de Arminda para evitarem sair de casa para um passeio de bike ou para um simples café. Algumas desculpas são já um clássico; -Ah, a minha net tá lenta e tenho que sacar umas coisas da plataforma. -Ah, tou a sacar o concerto do Toy ao vivo em Vila Franca de Xira e tenho que esperar que acabe. -Ah, tenho que instalar o windows de novo porque apareceu-me aquele virus da policia que tira a fotografia às pessoas. -Ah, tenho que fazer uns pagamentos pela net senão cortam-me a água. Enfim, qualquer desculpa serve para ficar em casa colado ao facebook a ver se a vizinha aparece nalguma foto em fato de banho. Isto aparentemente pode parecer que não tem efeitos colaterais, mas tem e não são poucos. A falta de uma caricia, de um abraço ou de um bom ombro amigo na hora certa, pode ser o inicio do fim de uma relação. Num momento de carência e na falta de um mimo, os homens podem sempre perder-se naquela ida ao quiósque e fazer um pequeno desvio por uma casa na avenida Fernão de Magalhães onde coabitam 17 brasileiras a viver do rendimento mínimo, e ter o azar de ser visto por Euclides, o mecânico que andou a arrastar a asa à miúda e de quem ficou amigo. Na melhor das hipóteses: -tá a arranjar namorada nova que isto deu saco!
O caso delas é bem diferente. Cibernauta moderna que se preze apoia-se em ombros virtuais para os seus desabafos, abrindo caminho para futuros romances que acabam por ter um fim, quando na eventualidade de se encontrarem pessoalmente, ela descobrir que levar com o bafo dele dentro do carro ou passar Cacia de comboio, a diferença está no meio de transporte.
Posto isto, só acho que devíamos valorizar os encontros na vertical e evitarmos os encontros virtuais na horizontal (refiro-me aos momentos em que estamos deitados no sofá ou na cama com o portátil a queimar-nos as pernas (que mais poderia ser?)). 
Elaborei este pequeno texto de cabeça quente e ainda no rescaldo da noite passada, para me libertar da angustia que me tem perseguido no que toca a este tema. Foi um desabafo, vá!

6 de fev. de 2013

Aniceto Azeitona – O terror dos olivais (PARTE 2)


Aniceto tinha reconhecido a voz da mãe na multidão. Nunca lhe chamava mãe. Tratava-a por Lina ou Puta Bêbeda. Desde pequeno que havia sido criado pelo avô paterno. Quando ficou grávida, Lina não tinha como saber quem teria injectado aquele espermatozoide triunfante no seu corpo. Pensou em fazer um desmancho, mas, apesar de todas as vicissitudes da vida, Lina fraquejou. Aquele ser que germinava dentro do seu corpo dava, de certa forma, um maior sentido à sua existência. Tinha este tipo de pensamentos lamechas sobretudo quando estava com os copos. Talvez por nunca ter dado descanso ao croft e à amêndoa amarga – sim, Lina tinha gostos requintados – o puto tenha nascido tão reguila e, como dizer, sui generis. Este é um adjectivo que não diz coisa nenhuma acerca de ninguém, mas fica sempre bem.
Ah, já me esquecia! Devem estar a perguntar-se como é que Lina acabou por decidir quem seria o desgraçado que daria o nome ao seu filho. Foi simples! Lembrou-se do Joel, um rapaz de dezassete anos que a montava amiúde. Não seria um processo elaborado convencê-lo de que aquele bebé era seu filho. Para Joel, Lina não lhe vendia sexo, vendia-lhe as únicas manifestações de carinho que ele teve em toda a sua vida. Era parco em palavras, mas tinha muitos planos para um futuro em que Lina também entrava: iam casar. “Que eu morra aqui se não vamos casar! Os meus pais que se fodam!” Nunca casaram e, de facto, o pai de Joel foi quem se fodeu no meio daquela história de amor entre o seu filho, a quem tantas vezes chamava larilas, e uma puta bêbeda.
Dois dias após ter parido o seu filho, Lina procurou Joel onde este trabalhava para lhe dar a boa-nova. A manhã ainda era uma criança quando ela chegou à obra. Os trolhas puxaram dos seus repertórios de piropos mais brejeiros e ela sentiu-se o último tremoço do pires. Pediu a um dos serventes, que ia misturando areia com cimento, enquanto assobiava a melodia da música “Apita o Comboio”. Minutos depois Joel chegou, com a cara coberta de pó e um lápis sobre a orelha. Não deve ter escutado metade da conversa toda bem arranjada que Lina levava, mas percebeu no entanto que era pai daquele recém-nascido. Os seus olhos comoveram-se, disse que a amava, que iam casar, que os seus pais que se fodessem. Uma hora depois, estavam no quarto da pensão onde Lina habitava e tentaram dar uma queca mas, enquanto isso, o bebé chorava como se a vida que para ele ainda mal tinha começado estivesse prestes a findar. Era impossível a tusa envolver os seus corpos com todo aquele chinfrim. “Puta que o pariu”, disse Lina, em jeito de brincadeira, só para quebrar o gelo.
Depois disso, foram, de forma irreflectida, tentar registar o menino. Assim que se depararam com o funcionário sisudo do registo civil, perceberam que ainda não tinham pensado num nome. Não tinham também padrinhos, mas, a troco de cinco contos, lá convenceram um casal de idosos a apadrinharem o seu primogénito. O motivo pelo qual escolheram Aniceto para nomear aquele bebé ainda hoje ninguém o sabe. Há quem diga que foi erro do funcionário do registo e há quem diga que Lina estava embriagada no momento em que proferiu, pela primeira vez, o nome do seu filho que, na verdade, era para se chamar Anacleto. Não sei. Mas Aniceto ficou. Aniceto Evangelista Azeitona.
Quando chegou a casa, Joel trazia nos braços o seu filho, pois Lina tinha ido já para o trabalho, e assim o apresentou aos pais:
- Este é o meu filho… Chama-se Aniceto… Vou-me casar… Chama-se Lina…
            - Meu larilas! Vais-te casar com uma puta? – berrou o velho Azeitona.
            Houve discussão noite dentro entre Joel e o pai. Quando os argumentos cessaram ou o cansaço os venceu, foram dormir, ou fingir que dormiam. Joel levou o filho consigo para o seu quarto. Olhou para ele, chorou muito, pensou nas palavras do pai, “é uma puta”, pensou quantos homens já se teriam servido de Lina durante aquela noite e, por fim, não pensou em nada quando cravou fundo nos pulsos a lâmina de barbear e neles traçou duas linhas quase perfeitas. Qualquer semelhança entre o suicídio de Joel e Pedro da Maia é mera coincidência.
Pela manhã, quando a velha Azeitona entrou pelo quarto do filho para lhe perguntar se queria um chã ou umas bolachas maria, não aguentou o que viu e sucumbiu por enfartamento. Era o terceiro! Escusado será dizer que Lina nunca chegou a ir buscar ou ver o seu filho, apenas anos mais tarde, quando se lembrou da questão do abono. Corroboro: o velho Azeitona foi quem se fodeu!
            Mas o puto cresceu, criado pelo avô, ensinado muitas vezes a cinto. Conhecia a mãe, mas poucas eram as vezes em que estava com ela. Habituara-se a chamar-lhe Puta Bêbeda, não por maldade, até porque durante muito tempo não soube o significado dessa designação, mas porque era assim que o velho Azeitona se referia a ela. Uma vez, no primeiro dia da escola primária, fascinado com as semelhanças físicas entre a professora e a sua progenitora, Aniceto dirigiu-se a ela no final da lição e disse-lhe num tom meigo e enternecedor:
            - A Sra. Professora é tão parecida com a minha puta…
            Por vezes imaginava como seria o pai, tentava compará-lo também a alguém, imaginando o seu perfil através de umas fotografias que encontrou de quando este fez a comunhão solene. Olhou para elas com o seu olhar irrequieto, e ficou com aquelas imagens entaladas na memória e com uma pergunta entalada na garganta. Um dia, ao jantar, perguntou ao avô:
            - Ó bô, o pai era larilas?
             
O concerto do Tony Carreira acabou e ninguém sabia do catraio. O avô apoquentou-se e alguém levantou a hipótese de o miúdo ter sido raptado, como aquela menina inglesa, hoje em dia há tanta gatunagem. O portuga é assim, tem sempre a palavra certa na hora errada. Lina pôs-se a andar dali para fora, as ruas estavam à espera.

4 de fev. de 2013

Aniceto Azeitona - O terror dos olivais (PARTE 1)

Do meio da multidão soltaram-se gargalhadas.
Momentos antes, um menino loiro de olhos verdes, havia furado por entre os cus da audiência feminina, saltado para cima do palco, agarrado o microfone e gritado num tom carregado de inocência: - O Tony Carreira é paneleiro! …foi o meu avô que disse.
Ao longe, um homem de meia idade, com cabelo grisalho, óculos Ray-ban (modelo táxista) e uma t-shirt contrafeita da Dolce & Gabbana, berrou, em bicos de pés, a viva voz: 
-Anda cá Aniceto! ….Rááá foda o catraio! Quando chegares a casa vais levar nos cornos, meu filho duma puta bêbeda!
O rapaz ainda mal refeito do susto de se ter ouvido nos alto-falantes do camião-palco, fugiu, barricando-se no camarim do ilustre cantautor.
O espaço estava devoluto. Cheirava a perfume que tollhia. Tony havia abandonado o seu aposento ambulante minutos antes. 
Lá fora, a multidão aplaudia a entrada do artista em palco. Um clamor esganiçado de mulher implorava: -Tony, quero um filho teu!!!
O miúdo reconheceu a voz. -É a Lina. Pensou.

Lina é puta para trinta e quatro anos.  Esfolou na zona da Anadia ao longo da última década. Levou para o mealheiro de todo o camionista que se preze (com cabine decorada a calendários Pirelli dos últimos 20 anos). Até que deu com Arlindo Teodoro, um motorista de autocarros de longo curso que viajava até Lourdes todas as semanas. Levava crentes lusitanos e trazia imigrantes magrebinos na clandestinidade. 
Certo dia, durante o acto sexual, Lina perguntou-lhe o nome, ao que ele respondeu com voz trémula : -Chaaaaaamo-me Arlindoooo...mas podes-me tratar só por Liiindo... que o Ar já mo tiraste. 
Lina, comovida, deixou cair uma lágrima, que lhe escorreu pelo rosto até cair no peito de Arlindo, que ostentava uma imponente tatuagem em tipo de letra gótico com os dizeres: Ai se eu te pego...

(Continua)