Nas tuas mãos de prata, amor, eu deponho o meu coração
vencido
E parto!
Parto sem olhar para trás,
Como se nas costas do casaco de couro a luz me
empurrasse para um universo francês
Apátrida
Desmemoriado de história e de futuro, ao cimo da rua
Num quase silêncio que arranca à boleia, para sempre, como
todos os ruídos que se desvanecem
Ou como os automóveis a que não prestamos devida atenção e que,
muito possivelmente, desaparecerão também para sempre dos caminhos por onde
riscamos as nossas vidas em fórmulas matemáticas,
Parto-me…
Olhando para o que de mim resta,
Para os cacos de bibelot sem tempo de se compor ou colar,
De se remediar,
Deito ao chão tudo o que fui como quem está com pressa para
ir de férias, inebriado pelos aromas de um protector solar.
Ao fim da tarde,
E já em terras de Espanha,
Sepulto o coração em pensamento nas tuas mãos de prata,
Onde à sombra do estandarte mais formoso do meu país
Ele possa bater e medrar como um texto perdido
Ou apenas órfão de pai…
Perdoa a herança
Mas não há outro país onde tão bem a dor se vele
Senão onde a Saudade se alumia a si própria…
Levo comigo os vícios
[sempre se levam os vícios em
viagem, ainda que para trás fique uma gaveta cheia de boxers]
Vou para onde comece a vida quase de novo, com um cigarro
de avental atrás da orelha para fumar nas traseiras de um restaurante, aquando
de ir levar o lixo…
Não me procures!
Chorar-te-ei várias vezes no balcão dos bares, provavelmente
aos sábados,
Quando uma data qualquer me vier lamber uma orelha
E amar-te-ei sempre e também o nosso país
Porque falhamos os três!