(a partir do poema Gacela de la
Muerte Oscura, de Federico García Lorca)
as luzes não souberam que a noite havia
chegado,
os homens não souberam fechar os olhos
cansados
e foi assim que o medo se apropriou da
nossa vila,
cavalgando, irascível, por entre
muralhas desabadas,
batendo à porta de casas desfeitas por
sonhos autistas.
as palavras não encontraram o nosso
sentido sublime,
as camas continuaram feitas de lavado,
fogos-fátuos,
onde renasceram em segredo os nossos
negros outonos.
o mundo fechou e baixou um pano negro
sem estrelas
e nós tentámos brincar às escondidas com
o medo.
mas ele, dormido durante quentes dias,
soube que nós,
decretos e manias, éramos ainda crianças
de mãos sujas,
não pelas brincadeiras mas, agora, pela
lama da mente.
o nosso corpo é o armário onde nos
trancamos
no escuro. nos tremores. no outono.
outra vez.
sempre.
dentro do medo somos um cometa gélido.
dentro de medo a razão é carne pútrida.
dentro do medo somos a morte a respirar
e as desertas ruas onde o tempo se deita
e prolonga;
e os inundados tanques públicos com vida
desbotada da verdade;
e as pisadas casas por um sol canonizado
e perfeito;
e os parados carros ao passar de um
comboio fúnebre em chamas.
o pesadelo não acaba e a fábula não tem
a moral prevista.
cada letra deste poema é um medo que
pede olhares vagos.
mas lê-me até à última palavra
porque nela nada encerra,
nada morre,
tudo pode ser reavido,
mesmo que perdido estivesse de antemão.
o teu olhar tem um mundo inteiro.
viçoso e válido, livre de bicheza e sem
proprietário,
para plantares nele o sonho das maçãs
- venenosas para a gazela da morte
escura.
acorda e vislumbra!
tocámos terra segura: Esperança.
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