Passando por um circo de província, abracei um palhaço que
não parava de chorar nos bastidores
A cada saraivada de palmas, a vir de dentro da tenda, ele
chorava mais
E agarrava com mais força a roupa que me cobria as omoplatas
E chorava no meu ombro
Chorava muito
Acalmou-se depois
Sentou-se numa grade de cerveja vazia, acendeu um cigarro e
ficou ali a fumá-lo como quem vela, resignado, um cadáver
Tudo isto decorreu sem palavras, sem uma única palavra.
Minto. Disse a meio da cena um ‘então?’ apenas…
Ele apagou depois o cigarro no chão com aqueles sapatos
gigantescos. Não pude deixar de reparar que o fez, não com a ponta do sapato, mas
onde por dentro dele o pé tinha mais firmeza. Senti-o aí, humano
Fez um gesto, uma espécie de ritual, penitência ou contrição,
pegou na mala e entrou na tenda
Acolhido por uma saraivada de palmas e gritinhos de crianças
Eu continuei o meu caminho
Sem expressão,
Sem pensar
Enquanto me afastava dali
Ouvi na tenda tiros de metralhadora
E gritinhos de crianças
Eu continuei o meu caminho
Sem expressão,
Sem pensar
Uma nova saraivada de palmas
Eructou distante pela boca da tenda
Eu continuei o meu caminho
Sem expressão,
Sem pensar
Um comentário:
no fundo, todos nós somos este palhaço e este transeunte.
soberbo! :)
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