21 de out. de 2012

Uma saraivada de palmas



Passando por um circo de província, abracei um palhaço que não parava de chorar nos bastidores
A cada saraivada de palmas, a vir de dentro da tenda, ele chorava mais
E agarrava com mais força a roupa que me cobria as omoplatas
E chorava no meu ombro
Chorava muito

Acalmou-se depois
Sentou-se numa grade de cerveja vazia, acendeu um cigarro e ficou ali a fumá-lo como quem vela, resignado, um cadáver

Tudo isto decorreu sem palavras, sem uma única palavra. Minto. Disse a meio da cena um ‘então?’ apenas…

Ele apagou depois o cigarro no chão com aqueles sapatos gigantescos. Não pude deixar de reparar que o fez, não com a ponta do sapato, mas onde por dentro dele o pé tinha mais firmeza. Senti-o aí, humano

Fez um gesto, uma espécie de ritual, penitência ou contrição, pegou na mala e entrou na tenda
Acolhido por uma saraivada de palmas e gritinhos de crianças

Eu continuei o meu caminho
Sem expressão,
Sem pensar

Enquanto me afastava dali
Ouvi na tenda tiros de metralhadora
E gritinhos de crianças

Eu continuei o meu caminho
Sem expressão,
Sem pensar

Uma nova saraivada de palmas
Eructou distante pela boca da tenda

Eu continuei o meu caminho
Sem expressão,
Sem pensar


Um comentário:

André Imaginário disse...

no fundo, todos nós somos este palhaço e este transeunte.

soberbo! :)