às
vezes, em noites perpetuadas,
olho
para todos estes poemas,
mesmo
para aqueles que já suprimiram o seu grito,
fantasmas
nómadas numa terra abandonada,
e
observo-lhes os contornos, as cicatrizes,
e,
nesses momentos, não sei bem o que lhes dizer.
leio-os,
sinto-os outra vez, mas não tenho palavras,
conceitos
que os tranquilizem e os façam dormir.
há
instantes, os meus fantasmas exigiram uma pátria,
sepulturas
ornamentadas para os seus corpos de éter.
perguntaram-me
em que corrente se enquadram.
esbocei
um sorriso exterior e quase imperceptível,
mas
senti o embaraço nas têmperas,
as
mãos subitamente trémulas
e,
por dentro, o peito a bombear sangue demasiado rápido.
envolto
no silêncio duradouro e perturbador
que
caiu cerrado após aquela pergunta,
senti
a razão e a lógica, cada uma apoiada na sua bengala torta,
a
olharem para mim com um trejeito trocista;
o
meu demónio interior a dizer-me não sabes nada de nada
e,
em seguida, a dizer-me elas também não sabem nada de nada.
uma
corrente, uma corrente, uma corrente.
eu
preso, acorrentado, perante um sol inquisidor
que
me queimava o corpo. brasas dentro de mim.
ferros
quentes, manipulados talvez pelo meu demónio.
tratava-se
de uma questão perfeitamente legítima,
ainda
que injusta, que eu deveria ter antecipado.
percebo
a necessidade, o conforto inerente a um rótulo,
e
não condeno nem a pergunta nem o tom grosseiro
nem
o dedo em riste com que a mesma foi proferida.
perdoo-os
por isso, pois eles não podem perceber,
eles
não fazem ideia da hiperactividade do meu demónio.
poderia
ter facilitado as coisas,
ter
respondido realismo mágico com um tom grave e solene.
esse
seria, sem dúvida, o caminho mais conciso
para
simplificar aqueles e este poema também.
o
problema que se eleva é que a poesia não tem direcção,
não
é uma estrada pavimentada e devidamente iluminada;
é,
antes, distorcer os nossos lugares, plantar pomares ardentes,
esquecer
o nosso tempo, os nossos propósitos individuais,
e,
às vezes, esquecer os nossos próprios nomes - letras doentes;
é
atravessar a terra por dentro;
é
partir de um de um dos pólos do planeta,
esquecer
o sol, contaminar o solo,
e
sair no extremo oposto;
é
passar os mortos, e ajudar um ou outro que se ergue;
é
passar as camadas de terra de eras passadas e só parar para mijar;
é
entrar nos infernos, na semente do pecado embrulhado em magma,
agarrar
um demónio irrequieto e tentar o regresso.
e
quando, na outra ponta do globo,
voltarmos
a olhar o mundo exterior,
a
noite,
perceberemos
que o céu já não é o mesmo,
as
figuras compostas de estrelas são outras,
e
continuam a não haver caminhos certos,
continua
a existir o espaço negro no céu a separar as estrelas.
há
o frio exterior a envolver-nos
e
o calor do demónio a manter-nos vivos,
a
oferecer-nos um copo de veneno
e
depois, ao longe, a mostrar-nos a cura.
[acabámos
por não perceber quais são os nossos motivos!...
dá-nos
uma definição - uma cama de feno!
diz-nos
qual é o nosso peso e qual é a nossa altura!]
o
vosso peso é nada, a vossa altura é nada.
a
vossa corrente é o vento e, se vos perguntarem,
dizei
que sóis a energia excedentária de uma central eólica.
2 comentários:
Inseres-te, portanto e simultaneamente, na ausência de correntes e na corrente de ar! ;)
Um belo texto, amigo!
exactamente! a única corrente é o ar. aquele que circula livre; aquele que toca todos os seres; aquele que ora nos suaviza, ora nos arrepia.
muito obrigado pelas palavras! :)
Postar um comentário