25 de dez. de 2012


Eu queria agora que, num desses sacos do supermercado que deixaste à pressa sobre o balcão da cozinha, e agora revisitas por um pacote de bolachas, uma surpresa minha te fizesse sorrir.
Uma caixinha de madeira – sei lá! – com um bonequito saltitão que te assustasse à primeira e com um gritinho acordasse depois a vizinha de baixo – essa velha surda cujas forças mais não servem senão para te reprovar a conduta, com baques da vassoura dela no teu soalho – imune aos encantos do teu riso singular.

Passaste a noite de Natal sozinha e isso doeu-me no coração. Logo a mim, que já nem gosto do Natal e privilegio a solidão, talvez por me ser permitido optá-la…
Eu queria ter sido o teu palhaço e passar contigo a noite a fazer-te rir, aconchegar depois um cobertor à tua expressão feliz e ouvir-te uma última risadinha cansada por uma parvoíce que eu tivesse dito antes de dormires…

Entraria depois no carro e faria duzentos quilómetros até casa, na mais profunda melancolia de levar o coração cheio…

Acordarias só outra vez no dia seguinte, com uma caixinha de música e bailarina nas tuas botas de fecho. E saberia ter-me na tua expressão, não sei em que lado, um lugar no teu coração.

16 de dez. de 2012

depois do cinema


[como nos filmes,
vamos lá começar isto outra vez e apagar a culpa de engolir em seco.]

cadáveres computorizados, tóxicos como a inércia dos jardins camarários,
vagueiam pelos passeios sobrelotados de um passado triste – os vórtices,
os pontos de quebra de poemas industriais e prontos para uma explosão.

os nossos sinais vitais a serem rigorosamente monitorizados pela chuva,
pelo orvalho das árvores queimadas que perduram dentro de gastas veias.
palavras a sucederem-se, a atropelarem-se na fugacidade das intenções.

mais um copo de vinho para o vagabundo que teima em pedir esperança;
só mais um murro nos tomates da nossa mente que nos queima o mundo.
a lembrança, comboio turístico imóvel, com feridas de combate profundas.

e se no final de tudo isto, na hora de irmos dormir,
concordarmos que o nosso dia não foi grande merda,
podemos virar as costas, soltar a lágrima que vem a rir,
e ficar a ver os robôs precipitarem-se em rios de xisto.

eles não são a escada que subimos rumo à queda,
nem nós a boia de pedra que insistiram em construir.

[como nos filmes,
vamos começar isto outra vez e limpar os olhos – revólveres velhos.]

lá longe, onde prantos de mágoa ecoam, existem fénixes que persistem,
existem sentidos novos para os nossos passos que deixámos de controlar.
sabemos que esse lugar ainda dista, mas os nossos sonhos podem tanto.

não podemos ficar apenas a contemplar o compasso mortal dos relógios,
as rotas que o fumo da fábrica vai traçando no céu, em nós, quando sós.
não pagámos bilhete para viver, mas queremos aplaudir a alguma coisa.

queremos comer pipocas, doces ou salgadas, assustar-nos naquela parte,
ter alguém ao lado a quem possamos estender o braço ao longo das costas,
a quem possamos explorar o corpo nos bancos cimeiros da sala de cinema

e se no final de tudo isto, pelas estradas rumo a casa,
concordarmos que o filme não era grande espingarda,
podemos parar o carro, tirar a um pássaro uma asa,
voar e não aterrar a tempo do apocalipse previsto.

faremos um aceno às nuvens, em sinal de retirada,
e um manguito ao cruzarmos um satélite da NASA.

13 de dez. de 2012

As validações "des'sentidas"


Validei-te numa quantidade infindável de conceitos
Revi as memórias e validei...
validei-te...vale...vale...valho...vale...valido...vales...não vales...
Espera! Valido?!

...Suspiro...

Acho que me encosto uma série de vezes a esta loucura.
Sento-me nela e deixo que me atravesse.
Esta subconsciente realidade
Esta consciente realidade.
Esta real realidade ou irreal ou esta,
Isto!
Isto que nos atravessa...
A ti não!
A mim...
A esta que te libertou... que fui eu.
Esta realidade liberta-me a mim dentro de uma prisão ordinária.

Ontem saí desta casa finalmente
Saiste dois anos anos antes.
É este o meu delay… dois anos depois de ti.
Afinal há uma lógica no meu caos,
Infortunia lógica que te segue os passos em delay.

Não sei se te apercebeste que deixaste a tua carteira no chão da sala no dia em que saíste.
Vi-a a cair enquanto apertavas os cordões das botas mas não pensei avisar-te
Passei por todas as fases enquanto te levantavas e saias...
Pensei que ias regressar para a levar...
Para me levares...

Mesmo que não fosses tu.

Alguém me levaria a mim e à tua carteira.
Alguém com a tua identidade no bolso de trás das calças.

"acho que não me esqueço de nada"

Acho que não.




10 de dez. de 2012

epifania de uma coisa feita de nada



os postes de iluminação pública choram as ruas desertas,
o frio reza às casas que o deixem pernoitar mais uma noite
e dentro dos corpos a alma contrai uma última fonte de luz.

nós somos as personagens que existem num filme francês,
a preto e branco, com as emoções gastas esbatidas no rosto,
ansiando pelo final calculado e pela metáfora vazia e batida.

os nossos pensamentos diluem-se na intifada dos deuses
cansados dos homens; cansados do calculismo da poética
que da essência não concebe nem caricatura aproximada.

somos a noite que relembra o dia. formámos este cansaço.
somos a avareza da epifania de uma coisa feita de nada
e as marionetas de pano iludidas por uma liberdade de aço.

Vida, acolhe-nos amanhã!