[como nos filmes,
vamos lá começar isto outra vez e apagar
a culpa de engolir em seco.]
cadáveres computorizados, tóxicos como a
inércia dos jardins camarários,
vagueiam pelos passeios sobrelotados de
um passado triste – os vórtices,
os pontos de quebra de poemas
industriais e prontos para uma explosão.
os nossos sinais vitais a serem
rigorosamente monitorizados pela chuva,
pelo orvalho das árvores queimadas que
perduram dentro de gastas veias.
palavras a sucederem-se, a
atropelarem-se na fugacidade das intenções.
mais um copo de vinho para o vagabundo
que teima em pedir esperança;
só mais um murro nos tomates da nossa
mente que nos queima o mundo.
a lembrança, comboio turístico imóvel, com
feridas de combate profundas.
e se no final de tudo isto, na hora de
irmos dormir,
concordarmos que o nosso dia não foi
grande merda,
podemos virar as costas, soltar a
lágrima que vem a rir,
e ficar a ver os robôs precipitarem-se
em rios de xisto.
eles não são a escada que subimos rumo à
queda,
nem nós a boia de pedra que insistiram
em construir.
[como nos filmes,
vamos começar isto outra vez e limpar os
olhos – revólveres velhos.]
lá longe, onde prantos de mágoa ecoam,
existem fénixes que persistem,
existem sentidos novos para os nossos
passos que deixámos de controlar.
sabemos que esse lugar ainda dista, mas
os nossos sonhos podem tanto.
não podemos ficar apenas a contemplar o
compasso mortal dos relógios,
as rotas que o fumo da fábrica vai
traçando no céu, em nós, quando sós.
não pagámos bilhete para viver, mas
queremos aplaudir a alguma coisa.
queremos comer pipocas, doces ou
salgadas, assustar-nos naquela parte,
ter alguém ao lado a quem possamos
estender o braço ao longo das costas,
a quem possamos explorar o corpo nos
bancos cimeiros da sala de cinema
e se no final de tudo isto, pelas
estradas rumo a casa,
concordarmos que o filme não era grande
espingarda,
podemos parar o carro, tirar a um
pássaro uma asa,
voar e não aterrar a tempo do apocalipse
previsto.
faremos um aceno às nuvens, em sinal de
retirada,
e um manguito ao cruzarmos um satélite
da NASA.
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