8 de set. de 2012

E, N, O, S



[ESTE]

rodopiamos em torno de algo desconhecido e tentamos manter
aquele sorriso, aquela calma: tarde de domingo, talvez de maio.
não temos tempo para parar, cerrar os olhos e puxar o gatilho:
a bala de prata, a pólvora dos nossos pecados a matar o tempo.

rodopiamos e sentimos a febre do ouro e de bricabraques persas.
lá longe, no Hotel Horizonte, o sol despe mais um dia moribundo
e o mundo a tremer, a temer a noite. o surrealismo morto a gritar,
como um veleiro num oceano de promessas a circundar o monte
da certeza e da fé. homens frios a manipularem robôs colossais,
a suprimirem o púlpito; na rua, crianças que não sabem brincar
improvisam a canção da guerra inútil e implacável de seus pais.
a adolescência, Este, a acabar mas sem morrer: veneno a nascer.

[NORTE]

rodopiamos, como Álvaro de Campos, alucinados pelo futuro,
pela dor de sermos imperfeitos e do baixo alcance da nossa voz.
dizemos um adeus prematuro às aguarelas e colhemos as chaves
de casa, do carro, do foguetão em segunda mão que nunca voou…

rodopiamos ao ritmo frenético da luz anulada num buraco negro,
podemos sentir os corpos a levitar e a flutuarem no firmamento,
as nossas órbitas excêntricas em torno de nós mesmos: colisões,
pedaços nossos a perderem-se e a viajarem para longe. o veneno
a extravasar, o nosso pião a ser influenciado por ventos de leste
e pelo medo, brisa gélida, que emana do Sul, dos nossos mortos.
a sucessão do tempo após o tempo a entorpecer os nossos olhos.
o ser adulto: Norte: rugas a surgirem, fugas a pedirem voluntários.


[OESTE]

rodopiamos, agora mais lentamente, queremos ser o quente Vénus,
ter os dias longos e a superfície a quatrocentos e tal graus Celsius,
ignorar a brisa do Sul e ter uma atmosfera capaz de esmagar sondas,
brilhar como uma estrela e significar paixão numa mitologia antiga.

rodopiamos, lembrámos o tempo passado mas presente em nós,
dias em que não imaginámos os nossos rostos actuais. mentimos,
fizemos da virtude o nosso estandarte mas o mundo não quis ver.
então decidimos queimar todos aqueles contratos de boa-vontade
e existimos em total liberdade. com isso, percebemos o inevitável:
o quão impossível era ver a nossa fome de propósitos bem saciada,
vermos no espelho o ser idealizado, a pele fresca, incandescente,
e chegarmos juntos à Idade Curvada, Oeste: o final da caminhada.

[SUL]

rodopia uma luz, raios-gama vindos de um hemisfério de trevas;
no pensamento, um lar de eternidade vazio. faltam-lhe dois velhos:
um deus e um demónio que combatem, nas mais altas instâncias,
pela nossa guarda, pelo encerramento e remodelação do nosso teatro.

rodopia o nosso último suspiro acima dos nossos olhos tão turvos,
sinais de fumo de um rumo novo à volta do nosso mármore futuro.
tsunamis interiores a nós, o veneno a conquistar as mãos trémulas;
os piões partidos, lascas de madeira, quase agulhas ou cacos de cristal
que espelham os nossos movimentos de um dia, modo condicional
daquilo que ambicionámos ser. eu seria, tu serias, nós seríamos se…
e tudo isso são pedaços agora, na hora em que estes versos se calam;
e tudo isto termina aqui, no Sul, onde não existe mistério ou segredo.

raios me partam! a velha bússola tinha bruxedo. 

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