6 de set. de 2012

d'enfouissement



fazer da escrita uma vida é como ser recolhedor de lixo.
e não considero, de todo, este um ofício demeritório.
o mundo precisa de uma limpeza permanente,
e alguém tem de remexer a porcaria, esse território olvidado.

mas penso ser legítimo que todos queiramos uma vida melhor;
todos precisamos de um banho, rápido ou de espuma, ao fim do dia,
de uma viragem na sorte – um sonho bom já não é mau!

entre um recolhedor de lixo e eu a diferença é apenas o odor,
esse que fica retido na pele.
não há sabonete azul e branco que leve o sarro de um poema;
não há um perfume caro, um crítico literário,
nem a vaidade que possuímos metida num frasco,
que sempre se abre aquando de uma leitura prazerosa,
que ornamente o aterro que somos – o erro que reciclamos.

ambos partilhamos o cansaço do mundo nocturno,
a vontade de dormir bem fundo,
de possuir sapatos novos, envernizados,
que toquem o acelerador de um automóvel topo de gama,
ir para longe, Côte d’Azur, tanto faz, mas sempre com pressa,
e jantar boeuf bourguignon num restaurante três estrelas Michelin.

2 comentários:

Sr. Mal disse...

Viva, meu caro. É sempre com um enorme prazer que acolhemos novos membros no seio da nossa comunidade... ainda por cima com um estreia tão auspiciosa. Um belíssimo texto, sem dúvida.
Bem-vindo!

André Imaginário disse...

muito obrigado pelas palavras e pela confiança!

foi com todo o gosto que me juntei a esta comunidade. desde o momento em que este blogue me foi dado a conhecer, passei a ser um visitante pontual deste cabaret. pelo tanto, é um enorme orgulho aquele que sinto agora em ser mais um dos seus mortos-vivos residentes.