É como se as minhas palavras ao embaterem no teu entendimento me atingessem de ricochete de um modo mais audível.
Da mesma forma as tuas palavras sentam-se em mim como num puf.
E venho para casa a escrever enquanto conduzo, com medo de me esquecer das frases mais importantes, e repito-as na minha cabeça como um menino em recado.
Ahhh!!
Caramba já me ia esquecer!!...uma coisa que vinha a repetir para mim, no caminho para cá...
...que às tantas essa necessidade de alcool, ou de forçar a melancolia, que os poetas têm, surge porque eles não querem ser "um fingidor"... que ...." finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente".
Porque sentimos e queremos deitá-lo cá para fora, mas depois começamos a dar voltas à cabeça na procura da descrição que melhor retrate o criminoso que vimos em fuga...mas ele foge-nos da memória...ou reinventa-se...e já nem estou com paciencia para estar para aqui a escrever, e começa-se a notar vestígios de borracha por todo o texto, e estou a escrever numa posição desagradável...
... e até trepamos paredes na procura daquele verso-albúm contentor de um milhão de imagens bem ilustrativas daquilo que nós não vemos ou vimos muito bem... como quem vem de viagem e diz:
-ó pá não dá para descrever por palavras!!...tinhas que ter ido...tens que lá ir ver com os teus olhos... as fotos não demonstram o lindo que aquilo é!!".
Mas massacramo-nos na mesma, porque ao fim e ao cabo, é essa a nossa mais real dieta alimentar.
Somos como aquelas pessoas que enquanto falam, nos tocam constantemente no braço e dizem:
-" 'tás a ouvir?"..."escuta!"
(e tocam-nos outra vez...e mais outra...e outra vez...Que chato caralho!!!)
-Podes falar sem me tocar no braço? Eu estou a ouvir!!!
(...mas aí está ele de novo a tocar-nos no braço sem dar conta disso.)
Amanhã continuo porque estava a escrever numa posição muito desconfortável, a ficar sem bateria no portátil, a corrigir-me demasiado, e a começar a sentir que o poeta " finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente", e agora não tenho whisky, nem mp3-carregado-de-músicas melancólicas na minha mesinha de cabeceira...
13 de mai. de 2010
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Um comentário:
Sabe mesmo mal estar a escrever sem conforto. É como ter um bando de cães à porta a discutir com os da outra banda (gosto deste preciosismo da cultura popular!), estar constipado ou sarnento de comichão…
Há dias cheguei a casa cheio de vontade de escrever e a minha cadelita velha não parava de me chagar o juízo. Foda-se, toma lá comida; foda-se já acabou e tu comeste mais do que eu; foda-se, agora queres festinhas; foda-se, deixa-me escrever em paz e vai pró ninho. Foda-se, perdi a disposição para escrever. Foda-se dez vezes, infinitos de infinitos…
Quantos poemas grandiosos se terão furtado ao vislumbre da humanidade só porque uma caneta estava a ficar sem tinta ou o computador com vírus a mais, uma letra perra na máquina de escrever?
Sou apologista de se darem muitas prendinhas aos poetas, para que estes se sintam amados, podendo assim escrever confortavelmente. Coisas simples como paredes sem relógios nem horas de acordar ou dias com 36 horas…
Lembrei-me agora do desgraçado do Eugénio de Andrade que vivia no Porto, por cima do Cerveja Viva, e a quem os proprietários chamavam carinhosamente “o velho que se está sempre a queixar do barulho”…
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