12 de dez. de 2009

a propósito de dizer tudo e não dizer coisa nenhuma e, ainda por cima, não ter vontade de corrigir

Não tem sido fácil aturar-me,
Explicar-me.
O cortejo fúnebre já saiu do adro
E eu pintando à pressa o meu quadro.

A morte vem como altura de exames
Apanhando desprevenido
Um copo deixado meio.

Foi-se a vida como a de um cão.
O deus não existia,
E o morcão que tudo comia
Não falou em reencarnação.

E o universo que não tinha emoção
Continuou o seu caminho
Para lado nenhum.

Vê-se da lua a nossa desilusão!
Que pequenos somos,
Inventando, ainda assim, a depressão
Como se o chão que nos come não bastasse, e
Ou inventar um poço para fora nos empurrasse.

Inventaram-nos com uma enxada na mão
E uma certeza motivada para a competição.
Uns encontraram terreno fértil para cultivar
E os outros, sem querer sepultura,
Puseram-se a cavar.

Uns acharam água
E outros petróleo.
Uns acharam saibro e pedra dura
E outros aqueloutra sepultura.

Foi no que deu pôr toda a gente de enxada na mão.
A ideologia vigente residia no chão,
E os bisnetos dos visionários
A passar visionando com o nome dum avião.

A verdade dos poetas reside num só segredo:
- o adiamento do degredo
Reside no pressentimento de tudo existir com espaço
E a felicidade resiste num espaço de tempo
A que se pode pôr um laço.

Em suma,
Tudo o que existe pode ser apropriado.
Num bocado de ar pode fazer-se uma jangada,
Num veio de tesão pode existir uma gémea gemendo,
Ou uma namorada.
Num copo de vinho uma clareira
Numa cona fria, uma lareira.

Se abrisse agora a janela
Poderia estar nela se ajeitando uma coordenada
Uma nau procurando simetria
Com roldanas,
Um zepelim com pedais,
Libelinha gigante de conversar qualquer coisa
Antes de dormir,
Capitulando um fim de noite á janela
Com ar puro.

Mas a manhã vem
E a gente olha para tudo como um sonho esquisito
Que urge pôr terra em cima
Suspeita de insanidade.
Volta-se a fazer o mesmo
Como é do costume,
Fala-se de cumprir os sonhos
Que não são sonhos nem são lume…

Bebe-se um copo de água
Para tirar o gosto da pasta de dentes;
Acende-se um cigarro a caminho do trabalho,
Mudança abaixo, mudança acima…

Ajuda à vida o locutor da manhã
Que sempre se faz de palhaço contente.
E é impossível não ser fã
De alguém que parece nunca
Estar doente…


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