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Tenho recebido várias cartas de gente anónima, e outra cadastrada, a dizer-me coisas desagradáveis relativamente à minha falta de disponibilidade para tornar públicas as minhas memórias de Paredes de Coura. O que as pessoas pensam não acrescenta nenhum upgrade ao incómodo que os chatos, por si só, já me provocam.
No entanto, muito mais estimulado pelas demonstrações de carinho provindas de um grupo de fãs suecas (que tanto me têm aquecido nestas madrugadas frias), resolvi-me e disse para comigo: “Olha lá, ó Mal, tu não és preto nem presidente da América mas esta gente precisa de ser iluminada por ti…” Fiz um silêncio e depois respondi-me: “és capaz de ter razão. Não és burro, não senhor!” e mantive-me neste estranho diálogo até que alguém, agarrando o meu braço, gritou: “Ó senhor, espere aí! – olhe que o semáforo dos peões ainda tá vermelho!”…
Adiante,
Convoquei os meus doces nórdicos para uma tertúlia balear ao redor da fogueira em cuja ordem de trabalhos constava o descerramento do II capítulo das ditas memórias. Depois de um acrobático número de sexo, que aprendi quando vaguei em digressão com o Cirque du Soleil, dispu-las confortavelmente, abri uma botelha de scotch com o meu sabre, dei uma bombada valente e comecei:
- Chegamos um dia antes do festival, propriamente dito. Ultimava-se a montagem das tendas onde se iria improvisar o nosso harém. Nesse momento, começamos a ouvir os primeiros “Foda-ses” que se iriam prolongar até ao fim do festival. Era “Foda-se” para aqui, “Foda-se” para ali… Por cada sonoro “Foda-se” que se ouvia, logo um outro se lhe seguia, ecoando sem limites numa apoteose acéfala. Tamanho espanto, ainda que despropositado, parecia dever-se a um conjunto de fait divers (ou métiers?) com chancela da nossa confraria. Consta que, em ano transacto, a água dos chuveiros era fria e, um senhor que bem sabeis, se arrepiou com a sua frescura, vociferando um sonoro “Fôô ah ah- daa-sssse!!!”. E pronto! Aquela merda fez eco no tempo. Bonito serviço, Mike!
Bom. A sangria estava meio para o roskoff e depois de a acabar fomos passear para a vila à procura de comida, como cães de farejo. Só havia frango a sair. Mal eu sabia que esse era o único pito mastigado que me haveria de calhar em Paredes de Coura… mas terá havido coelho?...
Depois fomos ao talho encomendar corações de frango (não havia de puta)… paramos para sorver as primeiras diuréticas num café que não me lembro o nome. Creio que o dono desse café também não sabe o meu nome, e ainda bem, pois vandalizei a porcelana da toilette sem respeito algum pelos cus que lá assentaram praça nos dias seguintes…
À noite, cozinhamos para um regimento de herbanários. Viramos fêveras com a convicção de resgatar soldados moribundos das trincheiras da morte, numa guerra desigual. O vinho sumiu-se, as tropas ganharam novo alento e um propósito imorredoiro fê-los saltar da trincheira. Mas ao primeiro arranque, carnificina. O Homem da Ripa dizimou quase todos. Muitas baixas e éne louça para lavar… Um conselho: - nunca se deve fumar a camuflagem em tempo de guerra!
Pela madrugada, calhou-nos o carrego de uma adolescente com aspirações a enfermagem. Malta da Cruz Vermelha, portanto. Aterrou na erva com convulsões. As amigas da pobre onça estavam demasiado etilizadas para aquele exorcismo, que lhe revolvia as entranhas e lhe embravecia a voz…
Com ela sentada na grama, encostei a sua nuca aos meus testículos e agarrando as suas orelhas frias, abanei-lhe a cabeça com vigor, tentando expulsar o espírito maligno que a pôs naquele estado e que, teimosamente, se recusava a pôr-lhe as mamas à mostra. Meti-lhe a mão nas calças e, sentindo a formosura seca do seu fresco tufo, percebi que se tratava de um espírito benigno e, como tal, imotivável para misérias festivaleiras. Ainda arrisquei extrair-lhe por ali o demónio, e pelas traseiras, apanhando-o desprevenido. Em vão. O maroto era preguiçoso e teimava por um exorcismo profissionalizado, vulgo medicamente assistido.
O estado da saúde nas Universidades é sintomático da sindicância de males que devassa o país. A possessa não queria ir ao INEM. Dizia que aquilo ficaria no seu cadastro. Até podia ser conversa de bêbada (o que me parece um pouco rebuscado) mas se o álcool é vedado aos profissionais da medicina como é que se explica o estado de embriaguez afecto à maioria das suas práticas? E se as enfermeiras não podem tocar no álcool quem é que nos esfrega as feridas ou o rabinho antes de administrar a penicilina? E o éter? Foda-se, - o Éter!...
Ocorriam-me estes pensamentos de alto coturno quando, abraçado à dor de ter carregado um enfermo, mastigava silenciosamente um pão com chouriço naquela cabana que mediava a “Ponte do Tralho” e as casas de banho (ou de butano?). Acho que a urina tem aquele cheiro que arranha na garganta precisamente para evitar que, quem passe junto dos toys, se espicace a acender um cigarro… Estão a ver o mesmo que eu? Espero que sim. – Um girândola de gente cagadoira feita fogo-de-artifício em apoteose estelar. E eu a fumar um cigarrito todo contente… no epicentro daquele espectáculo de misérias sem pára-quedas. A malta a aterrar nas roulottes, no corrimão da ponte e o pessoal, ao passar, vendo as bilhas borraditas caindo do céu, desapertando instintivamente os cintos com uma bebedeira sem expressão facial…
Depois fomos para o Punkalhoto beber cerveja e falar de cinema. Longa-metragem de cervejas e muitos rolos de fita para achar a consciência na tenda. E não, ninguém levou este urso de ouro para casa…
Continua...
24 de mar. de 2009
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Um comentário:
Valeu a passa:) Grande charro de comédia festivalesca!!! Paredes de Coura forever...
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