Trago em mim a crueldade de uma certeza já esgotada. Percorro uma rua sombria de moléstia, carregada por uma dose de impudência. Um banco de ferro, outrora abrigo de uma alma pura, hoje referência solene de um pedinte. Um pedaço de infelicidade num jornal amarrotado, pobre cidade. Árvores nuas, amantes infiéis da verdade, espelhadas no retrato ambulante de um amor vazio. O que vejo não é o que sinto, é a tela dos meus olhos. Um lugar de rio, um porto de mágoa. Ao longe, uma janela entreaberta e um copo semi-vazio. O rosto de alguém escondido nas entranhas do perdão, essa grande ilusão. Levo a pintura do que não vejo no meu sentimento e sou feliz nela. Leve mundo intocável, desejo incomparável. E eis que o caminho continua… numa saga de sentidos, movidos pelo eloquente tic-tac do relógio de pulso de quem anda a meu lado. Faz-me lembrar que a vida não é assim vivida e ao invés da sua intemporalidade, esbofeteiam-nos com a sua realidade. Portas trancadas, sonhos abandonados, palavras entrelaçadas de ásperos discursos em vão, é triste esta dimensão. Pontas de tabaco chupadas, pedaços de garrafas de vidro amaldiçoadas, corrupto vício da solidão. Vejo almas penduradas e consciências plantadas, à espera que a luz esbatida da lua foragida lhes dê atenção. Mundo cão desmedido, onde nem um simples grito consegue ser ouvido. O ecoar da razão por entre os traços quase apagados de uma linha suja de ambição. Ao longe, a melodia da preocupação e da insatisfação, onde pequenas gotas de chuva caem ao chão, formando o enfadonho reflexo de um espírito com coração, pintado de negro, seco de afeição.
Vulto sem emoção, cruel vida sem paixão, como quereis sorrir então?
Um comentário:
Very nice, my dear. Andas por maus caminhos... he he
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