20 de jul. de 2010

O Escolhido para arrumos

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Venho do café sem grande esperança com as mãos nos bolsos, subindo para ou descendo ocasionalmente o passeio. Tudo normal, portanto, a caminho de casa.
Tenho hábitos que poderia chamar de rituais se não fossem tão vulgares. Um copo, o cinzeiro à distância do braço e um isqueiro em cima do maço. Tudo muito simétrico para não interferir com os movimentos do rato. Tudo muito direitinho como uma máquina de botões que importa mexer de quando em vez. E escrevo. Escrevo-me sem grande dom ou memória, parco de vocabulário e sem coragem (talvez) para a disciplina que se impõe aos centracionistas do mundo que o iluminam a partir dos vãos. Sou um poeta menor, um remediado, o palhaço equilibrista que deixou cair todos os pinos porque lhe batia o coração, um montador de trapézios escolhido para arrumos…
Mas dependo disto por extensão como um amputado depende de próteses para se equilibrar ou um humorista de piadas, ainda que sem razões para se fazer sorrir…
Não escrevo em código, não sinto velado, não espero que me entendam mais por ser quem sou. Escrevo para mim, à boleia do primeiro aluimento de terras que me leve às chuvas torrenciais, onde me cuido e lavo e corto as unhas.
Reinvento depois o mundo real das manhãs, com carros sob os viadutos que são pessoas com horários para cumprir, e vou deitar-me, irresponsavelmente, realizado como um puto que arriscou a vida, sem notar, num tanque ou aquaparque…
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