22 de out. de 2009

Ao ritmo da tempestade

Cheguei tarde a casa e entrei em bicos de pés para não acordar ninguém. Vivo num quarto alugado, como já deveis ter prognosticado, - bem barato comme il faut! Entretanto o senhorio faliu e veio para aqui viver também, e alugou o outro quarto a uma levada grávida que passa as noites a correr para a casa de banho, condimentando com vómitos os meus devaneios e as minhas leituras. Enfim, para meu desprazer a casa tornou-se habitada.

Mas hoje a noite discorreu engraçada e eu tive de vir a casa buscar bebidas e camisas para rufar mais calor no carro que ficou de porta aberta e a música alta. Deixei as botas à porta, como se fosse fazer menos barulho correndo em peúgas pela escada alcatifada. Calcei uns sapatos de sola silenciosa; abri gavetas em desespero, arrancando de lá preservativos à mão-cheia; entrei por uma porta do armário e saí correndo por outra, deixando um rasto de garrafas vazias atrás de mim, e a colecção de bebidas em miniatura abraçada ao peito, como se levasse o filho de uma ex-mulher que o tribunal me proibiu de educar…

Entrei no carro como um tufão e as garrafas tilintaram como um candelabro dado ao vento de Penha Longa. A moça que estava no banco da frente agarrou-me pelo queixo e beijou-me a boca. Eu estiquei o pé no acelerador, o carro derrapou no alcatrão cheio de folhas molhadas, ela agarrou-se com afinco na minha camisa suada, um tornozelo de trás cravou-se-me no pescoço com o tacão a bater no vidro e a estrada seguiu o nosso veio ao ritmo da tempestade…

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Um comentário:

Anónimo Pralguns disse...

Muito bom!Adorei o pormenor das garrafinhas miniatura a tilintar como um candelabro ao vento de Penhalonga!