Temos dificuldade em conviver com a Morte. Toca-se no assunto como no clítoris de uma freira a quem não se podem arrancar orgasmos. Pois sabei que me abeiro com o dedo em riste de quem se arrisca à heresia de a conversar. Falo com propriedade. A Morte levou grande parte dos meus antepassados e, se não for eu primeiro, encavalitará na sua barca aqueles que me são mais queridos.
Tenho um certo respeito pela Morte. – Não se deixa corromper! Propõe-se, na sua ditadura, a uma higiene democrática que não poupa ninguém.
Não a temo. Preocupa-me, isso sim, a falta de valores e ferramentas para ma administrarem com dignidade. Sou um homem de desistências. Desisti de tudo na alvorada de tudo acontecer para ir à casa de banho. Vim de lá a apertar o cinto, menos agoniado e mais lavado e a perguntar como tudo foi. Não atiro senão palitos para a engrenagem onde se mereciam chaves de fendas.
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Oh heresia! Bem sei a falta que nos fazem as pessoas quando morrem. Só elas nos poderiam enxugar as lágrimas naquele momento. Fazemos poemas para a vida e a Morte vai-nos roubando os versos. Questionamos tudo. Assim é impossível. Ninguém pode fazer nada? – dizemos com um discernimento que lembra uma reportagem sobre a fome em África, antes de entrar a publicidade do tempo, a esgadanhar para a frente.
Na maior parte das vezes, não é a Morte que nos leva, mas esse tapete do tempo a enrolar-se. Se estivesse para morrer ou, pior, alguém estivesse a morrer-se em mim, teria outra perspectiva. Talvez escrevesse um testamento que obrigasse os meus amigos a uma grande festa. Na segunda hipótese, talvez me obrigasse ao fiel depósito de vontades moribundas não cumpridas.
A Morte “é um mal que vem por bem” e deve servir como lembrete para o que nos falta cumprir.
Em jeito de Post Scriptum,
Não esqueçamos, porém, de aliviar a dor aos que mais de perto vêem os outros partir. Cabe-nos tanto enterrar os mortos como assistir à aparição dos que nos irão sepultar. Pelo meio, legitimarmo-nos como médicos sem juramento, e levar um fardo de melancolia pelos outros ao abismo do tempo.
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21 de abr. de 2009
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11 comentários:
Pois eu almejo antes um beijo da Morte, onde a sua lingua profunda arrancaria todo o fel e nojo (pela humanidade )alojados no ventrículo em forma de promessas e crimes mordazes... ao beijo de um falso judas adulador, anjo endemoninhado...
Vive-se melhor a morte.
Como diria Pessoa
"...A morte é a curva da estrada
Morrer é só não ser visto..."
Por isso, cumpre-te enquanto matéria, poque o que é belo nunca morre, eterniza-se...
Como diria a minha pessoa que não é o Pessoa mas apenas uma miragem dela mesma : a beleza apreende-se nas mais diversas formas mas a mesma beleza sucumbe quando aprisionada em matéria apenas e não espirito... quando ficção de um imaginário tortuoso e desprovido de virtude.
Perdão.
Concordo que a palavra "matéria" seja desadequada, pressupondo o fim a que se destina, mas tornemos inteligível o anterior apontamento.
A beleza, podendo ser encarada como uma experiência, é vista individualmente por quem a experimenta e sente, assim sendo, e como muito bem referiu, a mesma apreende-se nas mais diversas formas, cada ser cria mentalmente o seu protótipo de beleza, que não assenta simplesmente na aparência superficial mas sim na compreensão que cada um de nós faz do todo e não de cada uma das partes.
Na obra " Retrato do Artista quando jovem" de J. Joyce, Dedalus disserta sobre a beleza iniciando o seu raciocinio com uma frase de Aquino-" São necessárias três coisas para a beleza: inteireza, harmonia e claridade ". Resumindo , a imagem estética é apreendida no espaço e no tempo, é vista como um todo. É aprendida a sua inteireza( integritas). Segue-se a análise da apreensão- sentes agora que é uma coisa , algo de complexo, divisivel, separável, constituido por partes, harmoniosa no resultado das partes e na sua soma- consonantia. A claritas é a estase luminosa e silenciosa do prazer estético, o "encantamento do coração" como Shelley denominou.
A morte é simplesmente viver a tristeza de assistir ao desparecimento de algo que nasceu, cresceu, amadureceu e depois definhou...
Palavras vãs e sem fundo conotativo... Simplesmente o esclarecer de algo que nos espera a todos um dia...
Porquê que temos de morrer para que nos recordem e nos afaguem já sem vida? Porquê que a Morte lava toda a mágoa e interrogação? Porquê que ela esclarece a mais dúbia ilusão? Porquê que só somos valorizados quando deixamos de existir? Porquê que nos visitam na última morada quando já não suspiramos de alegria ou choramos?
Porquê que quando finalmente ficamos irremedialvelmente sós, somos visitados e nos depositam flores? Porquê que só depois somos prendados com aqueles que mais queriamos enquanto seres pulsantes?
Será a Morte um instrumento de reconhecimento daqueles que ñ o são enquanto vivos?
Tanta conversa sobre beleza e ainda ninguém falou de pernas! Pois eu, se morresse hoje, queria era definhar entalado num bom par delas.
Quanto à morte, propriamente dita, devo dizer duas coisas, mas não digo nenhuma. Esta conversa das pernas deu-me comichão num sítio que bem podeis imaginar qual é. De qualquer modo, e para evitar desvarios que me corrompam a alma, já de si coçada, proponho que todos os anónimos e anónimas que aqui discorrem sobre beleza se dignem ao arbítrio das suas formas e identidades.
Apenas um reparo: - a beleza pode morar num par de coxas bem torneadas, mas o modelo é passível de ser reinterpretado em função da maluqueira do momento. Nem sempre as mais bonitas são as melhores. Na maior parte das vezes, são apenas umas espingarditas que não valem um estouro. Vamos mas é todos foder como se não houvesse amanhã. Assim, sim. Quando a morte viesse (vier!) a gente podia rir-se dela e diríamos: - "É para o vidrão faxavor" ou então "Enterre-se fundo num aterro sanitário"...
O Menino que embora sendo um (de)talhe teria que se focar na carne apenas e ver em cada anónimo(a) um possivel naco com o qual porventura poderia confeccionar uma parca refeição(tudo dependeria da qualidade ou do estado do talhante) ou simplesmente retalhar e colocar à venda as partes (ou formas) menos apeteciveis.
Eu não incorro em tal propósito pois não sou carne muito menos para um Menino de talho mas um fruto do qual todos conhecem as formas e sua identidade também...E não pense no fruto como sobremesa pois não é chegada a época e mesmo quando desponta, tal fruto é logo cuspido pelo diabo nos silvados.
À Amora,
Julgou mal as minhas palavras ou não as leu convenientemente. Quando digo “Vamos mas é todos foder como se não houvesse amanhã”, não se averbe de julgar que lhe proponho um tête-a-tête. O alcance da frase é mais vasto, embora se tenha detido nela pela rama. Erro seu, portanto. O que eu proponho é um Amor livre, desempestado de convenções sociais tidas por virtuosas, - esse sim, uma boa alternativa à Morte (o tema do post a que se propôs comentar e ao qual, com descaramento, se desviou para se pôr em bicos de pés). Terei, possivelmente, traído a sua interpretação com um humor que, nitidamente, não lhe estava destinado…
Por outro lado ainda, julga mal se entendeu que não tenho padrões e me entrego em orgia a qualquer bicho-do-mato. Erro seu, novamente, e ofensivo para quem junto de mim se abeira com prazer.
Para terminar, devo dizer-lhe que conheço de cor muitos silvados. Mijo neles e, pelo que vejo, dá fruto. No entanto, e caso duvide, posso afiançar-lhe que, tal como as rosas têm espinhos, também junto dos silvados se desfolham muitas Rosas.
Deliciei-me com as suas palavras:)
Saudações Menino de talho.
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