Acordamos no pomar
E alguém correu logo a fazer um braçado de fruta
E o outro atrás construiu uma cabana com a madeira da árvore
E negociou-lhe a fruta com abrigo
Que venderam para comprar fogo de artifício
E encher de cor os olhos
De quem ficou com fome.
Esforçaram-se muito,
E estudaram o comportamento das pessoas
Para lhes dar mais do que fogo de artifício e menos fruta,
Mais palavras e uma nova religião
E menos pão.
Mas houve quem não achasse isto bem
E subiu a uma das poucas árvores que havia
E falou ao povo.
E o povo como estava com fome ouviu o que lhe pareceu
E foi todo em debanda e euforia
Buscar mais do que lhe cabia.
E na cabana do que deitou abaixo a árvore
Ficou a reinar o homem que as subia.
O homem envelheceu
E ficou a governar a família.
Cedo o mais velho dos filhos fez conta
De tomar como seu o que de todos foi um dia.
Eu,
Sem espelho por dentro para aquela ideologia,
Fiz-me ao monte a ver se lhe fugia.
Mas vieram taxar-me o promontório
Por estar nos limites do território.
Como eu não uso dinheiro
Fiquei sem terra, sem casa, sem quinteiro.
Levaram-me as galinhas e os patos
Calaram-me com paus as cobras e os lagartos.
Sem víscera firme para me ter desalojado
Ou gratidão perene em ser transladado,
Fiz-me viajante de um tempo adiante…
Mas era sempre o mesmo fado,
Um carrossel de arrumar a trouxa vezes sem conta
E desaparecer no eixo do outro lado.
E mal se ouvia aquele bruaá da banda
Eu dizia para comigo: - “Anda!”
E andava…
Já velho,
Sem recobro nem esperança,
Ou botas de um amanhã com devir,
Vejo taxarem-me o planeta,
Como se fosse possível mudar para um cometa
Onde a vida fosse em si uma vitória
Sem capítulos de comprar cada uma a sua história.
Choro ao ver que a humanidade assim se fulmina
E chamam-me, a rir, poeta…