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Faz hoje anos que a morte me deu uma tampa. Não amo desde então… por alguma razão. Apareceu-me hoje no bar, longe dos funerais onde trabalha como organizadora de eventos. Estava sozinha ao balcão. Disse-lhe olá. Ela recebeu-me com o afecto de quem está só ao balcão e à espera de alguém conhecido. Trocamos dois beijos.
- Está tudo bem?
- Está tudo!
- E a vida como vai?
- Vai andando!
- Que bebes?
- Vou pedir um uísque. Acabei agora de jantar e estou a precisar de fazer a digestão.
- Cardhu?
- Sim. – disse-lhe.
- Nunca cheguei a perceber porque gostavas tanto desse uísque…
- É suficientemente suave e não tem aqueles gargalos nojentos por onde parece que o uísque se mija para os copos.
Riu-se.
- Ah ah! Lembro-me muitas vezes de ti. Gostei sempre da forma como às vezes tornas uma coisa tão simples num glimpse, num vislumbre de poesia…
- Hum.
- A sério! – disse-me com a emoção de quem fala com propriedade – sempre achei piada a essa tua maneira de tirares um coelho da cartola quando já ninguém espera que tu faças magia… ou tenhas um chapéu!
- É… - disse-lhe embaraçado, sabendo que de nada vale mentir-lhe – sou assim! De tanto botar como os tubos de cola, alguma coisa acaba por agarrar alguém quando, da noite para o dia, a cola seca.
- Ehhh, que exagero!
Olhei-a de frente, nos olhos…
- Linda, a mim, não me restam dúvidas! Eu sou daqueles de quem se tem saudade quando o carinho falta. Quando, perante um beco sem saída, alguém precisa que eu apareça a fazer de rebocador para a avenida principal… como aqueles carrinhos de corda que dão estalidos em marcha-à-ré e se largam esbaforidos pela avenida principal enquanto a corda dura…
- E depois apareces tu… – disse-me com ironia!
- Não! Na maior parte das vezes, apareces tu…
E, virando-lhe as costas, fui pedir cerveja para o outro canto do balcão…
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