Tenho adiado a publicação deste segundo capítulo, não por preguiça ou falta de vontade, mas por dificuldade em balizar o que importa ser dito, sem perder o fio à meada ou deixar-me enovelar na emoção do discurso. É sempre assim! Quando falamos de temas capitais como a Política, a Religião ou Futebol, a métrica que vai de alhos a bugalhos pode ser tão densa como ténue. Como se para ir à raiz das coisas, tivéssemos sempre de entrar num labirinto de canalizações subterrâneas. Em suma, justifica-se nessa complexidade, tanto o meu atraso como a ideia de chamar Conspiração com Bisnetos a esta série de cartas.
Não sou anárquico! A Anarquia assemelha-se-me, muitas vezes, a uma casaca política da Teoria do Caos. Para os menos familiarizados com esta teoria, vou tentar explicá-la à minha maneira. Imagine-se por exemplo a cidade do Porto. Tem um espólio arquitectónico fabuloso, porém desordenado; tem edifícios lindíssimos, porém a cair aos bocados; ruas de uma riqueza histórica inexcedível, mas por onde é impossível passar de carro… Não defendo, obviamente, a destruição do património, muito pelo contrário! Imaginemos agora que um terramoto destruía a cidade do Porto. Morreria muita gente, choraríamos muito todas as perdas, tudo aquilo em que acreditávamos, blá blá, etc.
Finda a choradeira, teríamos de nos unir, pôr a trabalhar os bulldozers e lançar mãos à obra para limpar a merda toda e dar novo rumo às nossas vidas.
Surgiriam novas visões arquitectónicas com avenidas largas e ruas simétricas; os edifícios seriam independentes energeticamente e sem emissões de carbono; as linhas de metro e transportes públicos seriam mais rectilíneas, rápidas e eficientes; graças às novas tecnologias, poderia rapidamente tornar-se na cidade mais avançada e sustentável do mundo. Houvesse vontade e visão…
Isto não é Utopia. Lisboa, depois do terramoto de 1755 ganhou a preponderância necessária para se tornar na capital do país; no fim da II Guerra Mundial, a Alemanha era um país em ruínas, mas rapidamente se inventou como uma das mais preponderantes potências mundiais, assim como o Japão…
A Teoria do Caos é basicamente isto. Queiramos ou não, as catástrofes são, não raras vezes, revoluções sem encomenda.
Não tenhamos medo de encarar a verdade das palavras. Chamemos-lhe caos sem qualquer juízo de valor. Não vale a pena continuarmos em negação. O Capitalismo vem-nos ensinando a pôr de lado as palavras quando o significado delas engorda. Tudo é retórica para sossegar o espírito. O desemprego passou a chamar-se downsizing ou layout. Até soa a promoção…
Habituamo-nos a contornar a realidade e tornamo-nos escravos incapazes de pensar por nós mesmos. Gajos sem ética, mas com muito dinheiro e poder, inventaram-nos uma Educação orientada para o curral. Fizeram crer a toda a gente que era importante passarmos vinte anos na escola a aprender um ofício específico, descurando todos os outros. Findo o processo, e incapazes de garantir a nossa própria sobrevivência, eles aparecem com côdeas de broa para nos seleccionarem como gado, em função das “necessidades de mercado”, vulgo propósitos monetários. Ou seja, escolhem entre nós os mais aptos a cuidar de um determinado parafuso da engrenagem, premiando os que menos valores humanos demonstrem na persecução dos objectivos.
Sem sabermos plantar uma couve, lançar um fio de sediela com anzol ou sequer atirar chumbo numa perdiz, vamos engrossando o cortejo dos desempregados e dos amarradinhos, com a mão estendida…
Poderão dizer-me que posso sempre abrir o meu próprio negócio. Pois posso. E posso até admirar quem persegue a via-sacra para cumprir os seus sonhos empresariais. O mais provável é que o faça porque, pese a falta de modéstia, até me julgo com suficiente capacidade para vencer nele. Mas, pergunto-me, não será essa uma forma de entrar no sistema, de aceitá-lo como ele é, de engrossá-lo, de me permitir aos seus defeitos? Sem dúvida que sim e, pese agora o meu idealismo, também eu preciso de comer as minhas sopas. Mas isso são contas de outro rosário…
O que me interessa com esta missiva, não é fazer despontar em mim a forma de ser grande e sustentado neste sistema. Interessa-me, isso sim, desmascará-lo porque é falso e vendido; porque concentra o poder; porque nos educa para a subserviência; porque nos educa para o conflito; porque nos inebria os sonhos com ideais consumistas; porque nos vende como mercadoria; porque nos rouba o ar dos pulmões e infesta de veneno os rios; porque ensina o endividamento; porque permite entendimentos de lei diferentes para crimes iguais; porque persiste na guerra; porque é impossível acreditar na paz enquanto as fábricas de armas continuarem a laborar; porque põe placas de proibição em tudo o que dá prazer; porque é intolerante e ensina os putos na escola a desprezar o próximo só porque é mais feio ou gordo; porque destrói a natureza; porque retira poder à vida humana; porque faz a corrupção parecer normal; porque poupa os corvos e persegue as pombas; porque justifica todos os meios para se atingirem determinados fins e, acima de tudo, porque ensina uma infelicidade sem entendimento que conduz ao vício e ao adiamento das responsabilidades, à existência virtual; porque adia o amor e faz-nos desejar ser más pessoas para suportar a existência com algum conforto; porque temos de lutar contra tudo e contra todos para sermos felizes quando, no fundo, o que mais desejamos é ser amados.
E é contra esta merda toda que se impõe largar uma bomba de Cultura e começar do zero. E não, não é depositando todas as esperanças num governante a falar de ventura que se vai fazer a grande revolução…
Continua…
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8 de jul. de 2009
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Um comentário:
Fiquei sem pelavras... Venha a Grande Revolução...
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