5 de nov. de 2015

O ser humano mais velho do mundo tem 116 anos – centi fuckin dezasseis anos! – é muito ano a escorrer caca da tripa para o sanitário… e vai daí, se calhar é pouco… neste imenso mundo com milhões de anos e eras e ciclos e metamorfoses… neste mundo gigante em que somos formiguinhas e as formiguinhas nos parecem seres inferiores e sem alma, ainda que façam o caminho de casa para o trabalho e do trabalho para casa e coletem víveres na dispensa para sobreviver aos Invernos…

Em boa verdade, não são muito diferentes de nós, pois não? E que sabemos nós da sua alma, daquilo em que acreditam? Organizam-se – sabe disso quem já viu um formigueiro em labuta. Não sabemos se falam mas é notório que comunicam entre si. E em comunicando, deve haver entre elas, também, divergências. Talvez arrufos. Talvez motins. Talvez entre elas… Entre elas e eles – pois não consta que as formigas se fecundem a si mesmas por divina graça ou por alombarem quantidades maiores de carboidratos. Deve haver gajos-formiga também – uns, mais cabrões e importados com o bujão alheio, e outros mais focados na fortuna do celeiro. Haverá de tudo, provavelmente, como no mundo-animal em geral, onde somos o tubarão maior da colónia…

Talvez as formigas olhem para nós e nos não compreendam e tudo isto que somos lhes pareça nublado e incompreensível, como nós com as duas vistas e o pensamento botados para o espaço. Talvez as formigas acreditem em deuses-formiga e lhes roguem uns migalhos de pão e tempo de vida. – O Tempo, lá está… - arqui-amigo do Espaço que não compreendemos bem, também…

O ser humano mais velho do mundo tem 116 anos. Com menos anos, são muitos os velhos a ocupar demasiado espaço, a roubar demasiado tempo. Pesa-nos a História demasiado nos ombros com rosários de responsabilidade - uma responsabilidade que vale pouco mais que nada e se perpetua por pudor e vaidade sobre a existência livre.

O mundo enlouqueceu na sua fórmula!

Em ter medo de morrer sozinho, abriu a porta a ladrões
Em ter medo de enlouquecer, tomou os comprimidos todos
Em ter medo de ser esquecido, eternizou-se pela barbárie
Em ter medo da fome, comeu os frutos todos da árvore
Em ter medo dos trovões, cortou a árvore dos frutos
Em ter medo de dar, vendeu-se
Em ter medo de amar, castrou-se
Em ter medo de foder, fodeu-se.
Em ter medo da realidade, deu-se de barato à mentira mezinha.

E em ter medo da morte, inventou Deus
Para se dar a si mesmo outra hipótese de ser feliz.

A vida não tem um sentido tão romântico como nós queríamos que ela tivesse – nós não queríamos que ela fosse isto de caminhar para a morte, tão habituados estamos a pensar a vida por objetivos, acelerar a leitura, dobrar capítulos…

Perante isto, e contrariando toda a lógica do que deveria ser um texto aberto, dignamente livre, deixado ao arbítrio de cada pessoa esgrimir em su’alma as confusões que a oprimem, atrevo-me precipitar as minhas próprias conclusões, poluindo-vos:

- Ser feliz, mas tão feliz que, num hipotético leito de morte, possa ainda ter tempo de dizer, sem ficções: - ‘Puta que pariu! Valeu a pena!’

Abrir um sorriso, fechar os olhos e deixar-me sepultar, com expressão encerada, por baixo de um cascalho qualquer, na mesma Terra de Nenhures de onde vim.

20 de out. de 2015

Escola de Magia Para Crianças Agnósticas




fazes bruxedos como quem faz ciência
e andas e danças e respiras e olhas
em direcção aos lugares onde me imagino
a recolher as gotas do orvalho da tua essência
e a escutar a linguagem dos pássaros
que chilreiam Liberdade num voo rasante

fazes bruxedos tão naturalmente como quem mija e caga
fazes bruxedos com elefantes e borboletas
fazes bruxedos porque o amor
primeiro racional e depois sujo na sarjeta
me ilude com truques que o mundo já conhece
e dissolve num copo de utopias rotas

ligasse eu mais ao mundo
e já não roubaria bilhetes para sonhos a dois
como os cachopos traquinas que roubam maçãs
e depois deitam fora o caroço da sabedoria
por não precisarem mais dela
e o mundo não lhes ser mais do que uma fantasia
dessas que tu sabes fazer sem que te seja pedido
enquanto andas e danças e respiras e olhas

podes dizer que estes versos estão do avesso
mostrar as mangas do vestido e não surgir a carta com que me vences

mas eu sei e tu sabes que fazes bruxedos
porque caças monstros que só eu conheço
abrindo alarvemente escolas de magia para crianças agnósticas
que trago dentro do corpo chorando quebrados brinquedos

28 de mar. de 2015

Caderno de contas

Duas pernas mergulhadas no rio
agitam a calma do sol a morrer a Ocidente.

O amor não é mais do que isso:
duas pernas irrequietas que brincam,
remexem a água e tocam a lama,
o fundo,
onde estilhaços de garrafas quebradas nos cortam os pés,
enquanto as mãos ficam livres para lançarmos pedras ao rio
e os olhos ficam atentos à contagem do número de ricochetes
que anotamos no velho caderno quadriculado
onde multiplicamos todas as divisões que o mundo nos fez.

1          2          3          4          5         
6 saltinhos x 1000, vi eu,
e afundou-se a pedra filosofal à sétima milhena que beijou a água por nós.

Julgo que isso tu também viste…

O amor é infantil.
É uma merda pequena quando cais ao rio
e não és tu a tua própria foz.

Ao chegares a casa encharcado e triste,
nunca sabes muito bem como te deves explicar.

- Ainda na semana passada te pus a razão a secar – diz-te a tua mãe,
zangada e consciente das tolices que o mundo produz e reproduz.
Porque as mães são assim e aborrecem-se com merdas pequenas.

Em seguida, tomas um chã quente, anoitece e tentas dormir
ainda escutando os rumores das águas.

O rio continuará sempre lá,
tal como as pedras e o teu caderno de contas,
e provavelmente, com sorte, ainda terás pernas e mãos quando acordares,
basta não despenteares a infância toda nestas noites de inverno.

26 de mar. de 2015

Oras Mortas



Somos como doidos
e dançaríamos interminavelmente até nos doerem as solas dos sapatos
E os sapatos se confundirem
E a gente se pisar

Não são horas para se pensar nisso –
a luz do vermelho já acendeu
E é audível
a pulsação do relógio

Odeio relógios

Abomino todas as horas da minha existência
Exceptuando salvas e horosas excepções
Em que me salvei de morrer afogado
No real de pedra ao sol
e ao sal

Hordas de sonho
Onde sou livre
E me sou livro

Hordas de galáxias e planetas
Carambolado sóis entre si
Luas como bolas-extra…

E sou nada
Absolutamente nada.
Resto para o infinito aquilo que a terra é
Para quem faz cimento

Não encontrei meu lugar no mundo –
Já estava ocupado quando nasci –
E de pouco me valem as quintas que tem meu pai…

Valho-me em ser miserável por condição
Gasto como herança em mão alheia
Tornado isto…

Onde amanhã o tornarei a ser

Mais ou menos a esta hora.

5 de mar. de 2015

Acho que nunca disse porque gosto de escrever. Não creio que mo tenham perguntado ou o tenham posto assim, taxativamente. E isso diz muito da minha escrita ou talvez diga ainda menos. Não que isso faça diferença alguma, ainda que faça toda a diferença, como de resto tudo o que importa na vida.

A gente ama e perde-se e purga-se e
volta a amar.
Dá uma volta na rosa-dos-ventos e acha-se burra
infantil
deseja nunca ter dito uma coisa
nem ter feito uma série delas
que em suma é ter dito muito pouco
e ter feito muito menos do que se devia -
que é ter sido louco
e enfrentar a idade com um sinal de visto,
de corpo gasto
usado.

Lamento o que não fiz com doze anos
com dezoito
com vinte
com vinte e três
aos vinte cinco
vinte sete
trinta
aos trinta e três
à idade que tenho e não gasto.

Sou
assumidamente
um forreta existencial!
Lamento o dinheiro que gastei em impostos
e os votos que depus em outrem
para que tomassem decisões por mim.

O que deveria ter sido
nunca fui
Nem durmo as oito horas nocturnas que o meu corpo pede.
Cansa-me deitar à cama o corpo cheio de nada
sem que use das palavras para o esvaziar de tudo
completamente
e dormir um sono
em que dentro do sonho me ache dormindo,
esvaziado.

Sou magro, relativamente.
Não tenho com a beleza diatribe
senão com quem a tendo se vende.

A beleza abunda, nos dias que correm
de mão dada com a mediocridade
e me enlevaria cantar uma ode às putas do século XVIII
que eram de raíz menos putas
que estoutras que o mundo aplaude
em revistas.

Escrevo para me deitar bem.
E deito-me tarde.
Deito-me quase morto,
lavado,
E acordo sujo, doente,
como a roupa que dispo e deixo
para alguém lavar.




14 de jan. de 2015

Esgrimista que ataca e nunca defende


Existe uma palavra com espinhos por dentro,
uma palavra feita de glaciares e tremores de terra
que abalam todos os nossos fundamentos viscerais.

Existe uma palavra que evitamos sempre dizer.
Usamos os mais belos eufemismos para lhe retirar o ímpeto
e dessa forma sonhar ainda uma borboleta
que nos traga o perfume raro de outros dias.

Existe uma palavra que por ser definitiva adiamos sempre,
formulamos com os lábios todas as razões poéticas
e descartamos a lógica classicamente arquitectada.

Existe uma palavra que não quero utilizar agora
nestes versos trémulos, mas que por isso lhe são propícios.
Adeus, eis a palavra, portadora de um veneno secreto
- uma sirene estridente, um ataque à bomba, cidades de esperança desfeitas,

mas lembra-te, existem sempre palavras que sobrevivem
e, essas, tens de as procurar,
tens de as curar da infecção do entorpecimento do teu ser.

Depois de dizeres Adeus, essa palavra esgrimista
que ataca e nunca defende,
serás finalmente capaz de perceber todo o peso da liberdade.

Serão, nesse momento, muitos os lugares para onde podes ir
e poucos aqueles onde sentes que podes ficar.
Mas continua sempre e não olhes tanto para trás,
porque a vida é uma viagem
onde só te é permitido parar para mijar o desencanto.

18 de nov. de 2014

Sabes que sou doido
por não ser vulgar
ainda que não sendo completamente doido
seja vulgar
amiúde
mas sabes que somos todos doidos
se calhar não sabes
eu acho que sei
porque sou doido
e os doidos reconhecem
amiúde
os outros doidos
que andam por aí
há não mais que cem anos
carregando a história toda
como se fosse a deles
os sonhos dos outros
como se fossem os seus
e o tempo em parcelas
como se fosse uma sanduíche
olho para as horas
e era tão bom que elas não fossem o que são
era tão bom que eu agora estivesse incerto
como ontem
(ou hoje
não sei bem)
e fosse mais cedo
ou não fosse tão tarde
mas é a hora
tenho de ir
agora
fazer coisas que não desejei
e deixar a morrer este poema
com um golpe de sabre.


5 de mar. de 2014

Mãe, eu matei um soneto


tenho nos olhos implantadas raízes antigas
que me prendem aos lugares desertos
e que sorvem as correntes de água subterrâneas
dos teus caminhos indecifráveis e secretos.

tenho no peito enraizadas árvores carbonizadas
pelo fogo extinto das ideias sem dono
que perpetuam esta promessa dum país de cravos
desabrochados e vivos, mas com cores de outono.

tenho numa das mãos um livro de banda desenhada
e na outra um papel dobrado que nunca se fez barco
por não haver oceanos novos para o sucesso dos dias.

tenho nos meus pés acostumados um parco cansaço
comum a todos aqueles que desdenharam a estrada
só porque ela de antemão não promete o regresso.


tinha este soneto como posfácio se não fosse este verso.

16 de jan. de 2014

Poente


lá vai mais um. por ventura eu.
a caminhar imerso no mundo das ideias,
que não pode ser traduzido por palavras porque.

os pensamentos têm um universo próprio:
aí reside a verdadeira poesia,
na fenda entre a hermenêutica e a percepção.
as palavras são música, musas, miragens,
aragens que o tempo leva e depois faz regressar.

metamorfose. não escondas o teu rosto da contradição.

o que importa o justo sentido, sentado no seu trono,
se, afinal, sentir é a condição?

como ele que deambula: por ventura eu:
também o sol se dirige em brasa para um oceano que o resfrie.

onde está o meu Poente? talvez para trás tenha ficado,
naquela esquina onde fumei o último cigarromântico que tinha.


25 de out. de 2013

USPF IV - FESTA VINTAGE/ RETRO



Invitam-se as senhoras mais chiques do burgo marcoense, naturalmente acompanhadas pelos cavalheiros mais distintos, a comparecerem naquele que será o evento mais glamoroso da década e, quiçá, de há quinze dias a esta parte – THE ULTIMATE SEX POWER FEST!

Altamente devoto à elegância das décadas de 40, 50 e 60 do século XX, pretende este acontecimento restaurar a estrutura sensual e o bom-gout que duas décadas, a ver moços com os boxers por fora das calças e pitas fotografando-se ao espelho, quase fizeram ruir.

No que ao tema ‘VINTAGE’ ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Vintage_(moda) ) diz respeito, serão naturalmente permitidas variações de indumentária, abrindo-se o espectro de opções à iconografia RETRO, a seu modo parente do conceito maior.

Considerem-se, por isso, igualmente convocadas as luxuosas senhoras de família (milfs de época, vá), divas de cinema e Pin Ups, bem como as aeromoças da PANAMAIR.
No que aos cavalheiros diz respeito, se espera que compareçam muito bem penteados, envergando fato, laço ou gravata e/ou chapéu… Por Toutatis, rapazes, mostrai brio! Sede audaciosos!

Tanto para senhoras e senhoritas como para cachorrões disfarçados de apreciadores de scotch, poderá a série televisiva ‘Mad Men’ servir-vos de inspiração e compêndio. Aceitai a sugestão e ide pesquisar a essa modernice chamada Googuel…

Para o repasto revivalista assar-se-á um lombo de época com castanhas, delicadamente acompanhado com batatinhas de ir ao forno e ao céu, bem como um arrozinho branco provindo dos melhores campos de arroz da Birmânia e de Setúbal.
A este arrojo de sensações contra o céu da boca se assomará um precioso néctar, esmigalhado num coro de lágrimas pelos virginais pés das subadoras de Vilacetinho.
Para o grand finale, inspirado no melhor baile de 1953, haverá surtido inglês, bebidas de espírito e vinho fino, de colheita Vintage, pois claro! E uma novidade - aquela que será, daqui por diante e até nenhures, a bebida oficial do USPF (um licor altamente afrodisíaco) – Tangerine Dream!

E agora vá, correi a abrir guarda-vestidos e baús…

Ficai bem, minhas fofurinhas!



Nota: Aconselha-se a munição de profiláticos. A composição do Tangerine Dream é (asseguro-vos) totalmente natural, mas dá cá um coice na libido…


20 de out. de 2013

Quiosque


Poderia até ser-me fácil falar de ti que te desconheço, como um amor de que se fala estrangeiro ou só por aí sem rosto a fazer coisas no mundo. Mas não. Custa-me! Não sei falar de ti senão que me ausentas e, no entanto, a casa onde me habito reza a perfumar-se de ti, como procissiando à minha frente um turíbulo de incensos. Roubas-me o ar! Roubas-me o ar todo e, no entanto, falham-se-m’ os argumentos para te acusar de saque em tribunal. O teu álibi é seres distante e de pouco me vale a dor em campânula e os olhos cegos…

Pudesse eu acusar-te de uma facada nas costelas ou de um chuto na cabeça aquando dormindo, fazendo a juíza sorrir. Pudesse eu em ser-me diferente obsequiar dos teus pezinhos a mexer enquanto dormes - guardar-me todo numa caixa de Pandora como se a vida toda e o que sou fosse o boneco doente de um ventríloquo asmático.

E levando-te pela mão a ver os foguetes eu seria uma vida nova, com sentido. E o nosso puto, como numa versão kitsch de uma pintura de Rafael, a gritar “ó pai” por uma pistola de fulminantes. E nisso o teu sorriso, ganhando largura, haveria de fazer rir a própria Senhora da Agonia. E eu levando aos olhos quatro dedos para disfarçar uma lágrima, queixar-me-ia do pó que fazem as motas. E tu olhando para mim… e eu olhando para ti… e depois tu outra vez, abrindo mais esses olhos magníficos, dirias:
- “Foda-se, pá! Esquecemo-nos de ir comprar o i.”

E o dono de um quiosque sorriria…


2 de out. de 2013

Choques no nariz


Os narizes davam choques à chuva.
Dizia ele que…
Tinha descoberto que o que se sente deve ser dito. A morte de alguém fê-lo sentir essa urge. O que se sente, o que se sentiu. pensava ele na altura. Não pensava, sentia, achava, talvez fosse, talvez quisesse, talvez usasse o que achava, talvez ela não se importasse de achar que era não ser porque ela não parecia sentir ou parecia perdida ou só parecia ou não demonstrava ou nada importa, não importa, corroi-se, destroi-se silenciosamente tudo o que se diz, o que se finge sentir não existe.
Tinha descoberto que o que se quer momentâneamente, o capricho, o entediamento do amor, a paixão que se deve assentir, usar e matar. o que sentisse talvez devesse ter sido dito. o que se partilha… o medo, a surpresa, o expontâneo e o formigueiro na barriga, as estações parecem bonitas, o secreto é bonito, e a mentira camuflada no que se sente deve ser dita logo. logo para não se morrer sem ela. para se matar com ela. para a matar. ela parece não se importar. já não existe, já passou.
O que se sente deve ser dito…
Sentia ele que parecia que era afinal, parecia que sentia, parecia mesmo, não seria mas parecia. seria engano… as vezes que parecem ser engano, as que se esquece e simula-se, as que não existem, ouviram-te dizer o que sentes mas não existem, que as pessoas morrem em vida, que alguém sentiu, alguém disse o que sentiu, alguém morreu mas existe, mas morreu, o que se disse morreu, acabou.
Ainda não tinha descoberto que passa por quem achou que sentiu, passou junto mas não viu. disse antes de morrer mas ela já morreu. Então…
A verdade liberta,
a verdade não existe. A morte diz que torna tudo eterno. mas morreu enquanto sentia ou morreu o que sentia enquanto vivia.
Gosto do silêncio
"O amor dá choques no nariz" escreveram-nos um dia.

30 de set. de 2013

80 +



Desenformizações amplificadas, situações em que a forma ganha volume extra. 
A forma é líquida, tem pouca solidez. Chamar-se-ia moleza. Diria eu que quase vapor e se pouco aqueceu para evaporar haverá possivelmente um calor imperceptível ou o vapor é o resultado de um líquido morto. O líquido que morre evapora. Não interessa muito a que temperatura morreu.
Não sei bem como isolam movimentos mas elas isolam movimentos. Como se mecanizassem os mecanismos, redundâncias desmecanizantes, manifestações anti-mecanos. Passa por cima, mecaniza-te, depois desmecaniza-te mas garante que já estás longe não vão elas perceber que o teu mecanismo morre e sobrevive. 
Tenho só saudades dos comboios. São mecânicos. Como os outros. 
Mas são comboios.  

2 de set. de 2013

locomotiva de hiatos


antes de partir, contemplei o mármore frio que te cobre.

sou um comboio de memórias que pedem misericórdia.
o seu único anseio é que as deixem repousar,
apartadas dos espelhos e do tempo,
longe da ética, da estética e das bagatelas do quotidiano.

dançam em sonhos crepusculares os corvos e as pombas
que sobrevoam esta locomotiva de hiatos,
transportadora da morte e da vida, juntas por engano,
mergulhadas no profano desejo de um impossível abraço.

tudo se desloca para um paradeiro incerto,
mas a marcha não pode ser interrompida
e dentro de alguns anos alcanço a pátria do esquecimento.
 
antes de partir, pensei em verso branco no teu morto rosto.

 

26 de ago. de 2013

a prece do assobio


uma flauta celta anuncia a tua onírica chegada.
pelos campos e escarpadas onde florescem e morrem homens,
propaga-se uma melodia harmónica que suplanta o canto das pássaros.

os dias que saboreámos juntos, como se rebuçados fossem,
são o paladar que ainda hoje me envolve o músculo mais fraco.
és a linha do horizonte que bebe o sol e alavanca a lua.

a noite recheada de estrelas vai sangrando luz.
escrevo. penso enquanto escrevo. paro. o tempo passa.

o brilho do teu significado trago-o na lembrança, a quente,
como o sol que aquece os corpos em agosto e os incendeia.
a mudança de estação é cruel para a nossa noção do tempo.
pára! estes motivos, pode ser que alguém os leia.

o teu corpo existe. longe. podes estar a dormir, podes estar a rir,
podes estar a fazer  mil e uma coisas, e algumas não as imagino...
resides nos meus pensamentos, nas possibilidades, nesta noite.

sou a Lua ,com a luz esbatida no rosto.
sei que numa era por anunciar terás o sol todo bebido
e trarás um dia novo pronto me abraçar.

porque tu és a palavra. és a vida. és eterna. és agosto.

 

15 de ago. de 2013

15 de Agosto


O vazio de emoções faz-me olhar de uma ponta à outra do espaço - de uma porta à outra, de um interruptor ao outro, de um suspiro ao tédio… e tudo pelo meio é um excesso desnecessário onde me encontro a perfilar magias.

Os cães ladram a nada como a pôr o sentido deles às coisas; um helicóptero dos incêndios atravessa a coroa de eu estar pensando em sons para apagar um fogo algures; O mundo arde com ginásios de gente a suar para emagrecer, mas nada é tão castrador ao espírito como a lengalenga das procissões. Cantos de Maio em Agosto desmaio…

Toca o sino amiúde e sobem ao céu foguetes a arder mais na tarde, já de si cansada e febril. Os miúdos passam a ferro o vinco nas mangas dos pais por uma pistola de fulminantes, rasgando-lhes a determinação ante o depor aos pés da virgem santa um ramo de flores. Coitada! - bem lhe compreendo a expressão! - fustigada em Agosto por choramingas e sobre isso um calor de velas…

Os miúdos quedam-se de braços caídos a olhar para cima os pais e ficam tristes também porque eles choram em silêncio. E só depois o algodão doce, o bailarico proporcionado pelo teclista em cima da camioneta; os adultos dançando com solenidade uma inenarrável brejeirice à porta da igreja; o padre novo esgaravatando as golas da batina com um esgar enérgico de calor entre os sorrisos; o padre antigo, postado ao sol com a sobranceria de uma coluna dórica, esquecido para a agressividade dos elementos, fulminando com o olhar… ora desaprovando o refustedo nas palavras do teclista, ora a pôr freio no rebanho tresmalhado. Ambos tão desvirtuando os ensinamentos de Cristo como ofendendo a Deus, nosso senhor…

E as crianças também, - diabólicas! – correndo à frente da igreja, fintando o bulício e a apanhar coisas do chão como andorinhas a catar primaveras, inocentes de benzedura...





5 de ago. de 2013

O mais miserável herói


os pássaros da minha terra têm a liberdade rasgada,
tal como este povo, que os fita como fátuas velas.
são agora estátuas de memórias dissolvidas em nada,
levadas pelos mares onde se danaram caravelas.

é verdade! permanecem conservados os versos ainda,
que esta terra elevaram corrompendo clássicas epopeias.
triste sina cantar a pátria, o rei decrépito e a sua vinda,
mas a isso condena a fome e a necessidade das plateias.

somos talvez o mais miserável herói que a literatura conhece
pois, mesmo apesar dos golpes, em nós a revolta não cresce.

pela perfídia do orgulho necrófago, Lisboa está morta!
não a cidade! essa pouco importa!
(pois que viva, se do estrangeiro obtiver concordância!)
o que morreu foi a esperança,
de lonjura em relação à substância.

pode ser que um dia retorne Ulisses e nos pague a fiança…

23 de jul. de 2013

movimento perpétuo



Procuro a posição perfeita…
Não encontro.
Não sei se é problema de ergonomia,
Física ou psicologia.

O corpo tenso
Flameja irritação
E o pescoço contorce-se
Para dar aos olhos
a paisagem que
o nariz respira.

e manda lá para os pulmões
aquele ar que enamora o coração,
suspira
e desata o nó do estômago.

O tempo ofendido
Por tua brisa de ócio
Compõe o cabelo,
Vira- costas
E abre caminho,
Resmugando-te:
“misérias e pobreza.”

Enxuto respondes :
“Segue lá a tua vidinha
Que se eu de ti não faço dinheiro
Tu de mim não fazes farinha.”

(solta-se um riso de ressonância
Entre ti, uma viola
as palavras e o silêncio)

E a tarde ,
Vira a bola de um puto perdedor
Que o tempo vencido
Reclama.

“Segue a tua casmurrice
Leva lá contigo o sol e o dia
que á noite… hei-de festejar
num cortejo de alegria.”

Tanto que hás-de arder
Numa grande fogueira
Onde sereno
Rejubilo na doçura musical
Do som decrepito e digladiado
com que te arrastas.

Hei-de rir num círculo de mulheres,
O maior dos seus receios.
Tu e o peso gravidade
No desamparo dos seios.

.

palavras paparazzi


é noite. dentro das profundezas do meu ser um candelabro,
uma ideia disforme que me vai sussurrando incessantemente
contra qualquer sono que me rapte nos seus braços de veludo.

as palavras que conheço e que já tantas vezes dispus
tentam assomar-se para relatar a ocorrência bizarra
de um motim no interior do homem a que se subordinam.

na verdade, esta ideia não me pertence
tal como eu não lhes pertenço.
a vida – é – assim –  mesmo.

o rio corre para o mar que não conhece
não para a montanha que o pariu
e que ainda lhe lança um olhar altivo.

encontrámo-nos casualmente, bebemos uns copos a mais,
e agora estamos os dois às voltas na cama,
inquietos,
a debater-nos, a esventrar-nos,
a procurar a essência orgásmica da poesia secreta dos colibris.

amanhã, quando acordarmos,
não saberemos muito bem o que fazer um com o outro
mas o mal já está feito – as palavras retrataram o nosso affair.

amamo-nos hoje. negamo-nos amanhã.
a luz levará até as nossas sombras
e para trás ficarão, como postais, as nossas peles.
 
Ideia, ainda me consegues ouvir?
acho que bebemos um pouco de mais!...

a vida –  é –  assim –  mesmo;
mesmo –  assim –  a vida – é
um estúpido jogo de sentidos.
 
o homem leva as sementes e lança-as sobre os baldios,
tal como faz o poeta com as ideias e o barulho
que despeja na fria mas cálida folha de papel.

se ao homem cabe colher o fruto e com ele saciar a fome,
ao poeta resta-lhe somente continuar a plantar ideias e febres
na ânsia de entreter e comover aqueles que o leem
nas horas em que o alimento não enche o cálice da existência.

Ideia, ainda me consegues ouvir?
fazemos mais um brinde à poética decadência?

[mas nem tu és poeta nem eu sou decadente!
sou uma ideia livre e não me tomes como tua!] 
 
desculpa! se fosses mulher, os pudicos chamar-te-iam puta
com todo o respeito.

vamos dormir! é dia.
 

15 de jun. de 2013

A Mário Cesariny


«Ser poeta é ser mais alto.» Nada tão errado como isto.
É inegável que a escrita funciona sempre como um meio amplificador da essência de cada autor. Cada poeta é um mundo, tal como cada pessoa o é, este apenas o consegue sublimar e torná-lo mais denso. E esse mundo, despojado da sua ordinariedade, válido apenas pela atração do ser humano pela Metáfora – femme fatale -, é recebido, assimilado e transformado num universo por aqueles que o lêem. O leitor acaba então por ser a foz de cada poeta, de cada romancista, de cada artista. O rio encontra finalmente o oceano que vislumbrou ao abandonar as encostas íngremes da montanha.
Assim sendo, o artista principia sempre a sua obra com um olhar abrangente e altivo. Observa o que o rodeia, mas devido à distância a que se encontra da terra, acaba por não conseguir focar os mais pequenos detalhes cintilantes do meio que o circunda e envolve. Desse modo, deve habitar sempre na «alma» do artista a atracção pelo abismo. A melhor forma de entender e apreciar o mundo é rastejando através dele. Tudo se torna maior, nada pode escapar à sua percepção. O artista fica então em alerta máximo para os mais pequenos acontecimentos: o leve restolhar da vida sobre a morte torna-se então perceptível.
O artista é uma serpente que não se presta à camuflagem que a lógica lhe oferece. É aquele que não se esconde da morte para não deixar de viver em pleno; é aquele que usurpa e subverte os alicerces mais profundos do pensamento. Numa derradeira análise, o artista é tudo aquilo que conquista através do furto à substância.
A sua essência reside em exibir através do pó terrestre, que traz agarrado à usa existência, a mágica que a brancura das nuvens não reflecte. Enquanto que o sol se torna brando no horizonte, o artista incendeia-se em sensações. Queima, ilumina e germina. Depois disso sobe de novo à montanha. Mas não para olhar a planície. Somente para se precipitar outra vez no vício das cicatrizes.

Molem agitat mens.

Prefiro ao meu caminho o traço do teu lábio, sorrindo;
As cores pelo negrume,
O ladrar dos cães à minha escrita,
Por mil sóis a demência,
O esquecimento,
Alzheimer, invalidez, pulgas…

Pudera eu ser estrume sem consciência
À condição de te ver pelo submundo em flor aberta
Feliz ao sol…

Vou sendo mau para quem me rodeia.
Deveria matar mas sou fofo,
Chego a ser fofinho…

De certa forma, à frente do tempo,
Lido mal com os minutos e
Pouco sei de finanças…

Bebo demasiado e chego tarde a ser
Atrasado mental.

Desço as escadas por uma caixa de óleo e as rodas dentadas do meu coração entram em greve de zelo e sonho.
Esqueço-me de tudo… menos de ti
O teu nome é um vírus que invade a minha escuridão diária
Com sol…


5 de jun. de 2013

entre cromos repetidos, mãos incautas e putos trafulhas


            juntos somos como um cromo autocolante. eu, por natureza, sou o cromo e tu és a cola que nos mantém no sítio certo da caderneta. podemos não ser o cromo mais raro, mas não nos troco por nada. gostava que soubesses disso, principalmente sempre que os nossos cantos se descolam ou vincam – pois a existência tem dessas coisas!... mas eu e tu sabemos: queremos ser mais do que um cromo; queremos, enfim, ser o velho que um dia, nostálgico da sua infância, folheará com as mãos enrugadas, beijadas pelo tempo, uma caderneta completa de memórias com sabor a algodão doce.
            no entanto, não queremos ser velhos. risco o que escrevi. à eternidade do nosso tempo só peço que nos deixe indeléveis e inalteráveis; que nos deixe por aqui e mais nada! não quero aprender o que a vida ainda tem para me ensinar e que me fará esquecer daquilo que a morte me prometeu: algum tempo só para mim neste solo minado pelos homens. e peço-te a ti que não pretendas aprender mais nada também!... de que nos serve saber usar o predicado se não formos genuinamente o seu sujeito? nunca seremos deuses, mas também nunca seremos idólatras. o nosso significado será sempre feito por nós, sem poemas, teses ou manifestos que nos elevem.

confia em mim! entre cromos repetidos, mãos incautas e putos trafulhas nós cá nos arranjamos.

17 de mai. de 2013


Disseste-me…

Esta noite sonhei com pessoas mortas suspensas em ramos de árvore frágeis, sob a bruma noturna iluminada de luar. Sonhei que fugia mas não havia fim para a fuga. Sonhei que matava, e intriguei-me a pensar  “ se mato… terei sido eu?”

E eu…

Sonhei que te beijava. E que tu até precisavas de mim. Quem sabe um dia em vez de precisares de mim até me venhas a querer. Isso é que eu gostava. Depois, no sonho, senti que era tempo de te contar o meu segredo, se segredo é para ti. Nunca te cheguei a contar, porque só agora percebo claramente que, se sonhei contigo, passado todo este tempo. Se sonhei que eras minha, às tantas, é porque te quero.                                                  
Ora…                                                                          esquece.
Gosto muito de ti, só isso. Ou talvez a palavra amor seja muito fechada para o que sinto. Talvez não precise de te amar para te amar, e então te ame assim, sem te prender.

A sério? Poh! tens pesadelos mesmo fortes! Eu tenho sonhado com nada.é.

12 de mai. de 2013

Nasceu anã minha estrela


Nasceu anã minha estrela e sem galáxia
a quem deva vassalagem ou compaixão,
mas ela é fonte de alimento para buracos negros
que aniquilam aquilo que sou ou seria
e deixam somente uma máscara de alegria,
que sempre coloco no rosto ao contrário
deslavado de esperança pelo pó do medo.

Eu sou a mentira com que me vou embalando,
eu sou o segredo que esconde o meu crime
– fito os meus olhos reflectidos no espelho
e depois lanço-os à janela que pinta sempre de janeiro
o mundo que engulo a custo
e que parto com aquilo que me sobra:
palavras vazias e lembranças de promessas sem país.

8 de mai. de 2013

Breve apontamento



Caia-lhe o colar ligeiramente para o interior do peito.
        A pele de café da manhã valorizava-lhe o colar de pequenas pétalas brancas
As mãos de dedos finos, agrafavam perigosamente o embrulho…“cuidado para não agrafar os dedos.”
         Ligeiríssimo sorriso, quase impercetível.
Cabelo denso, feito para ser arrumado de um lado para o outro. Teimoso forte e belo. Mil cornucópias barrocas.
         "Raisparta" a memória, que tem mais de poeta que de repórter, sempre a derreter… sempre a derreter. Persistência da memória: abre-se um deserto com umas rochas muito mal espalhadas, e atrás dessas rochas, espreitam lábios,  olhos, o seu corpo, a sua pele.
         Na cabeça percorri todas as comédias românticas que vi até hoje, todos os livros, todas as estórias inventadas por quem já sentiu igual.
         Da boca apenas um obrigado e um bom dia, recibo no bolso, passos na direção da vida que continua.
Saio com a sensação que só nos apaixonamos verdadeiramente por estranhos e que estou a precisar de comprar meias, ou a única camisa que gostei, para além da que trouxe.

5 de mai. de 2013



Não adianta pôr flores à poesia – ela não morreu!
Levar-lhe flores à porta? –
Ela não mora!
E se morasse saberia que a tua purga é falsa –
Logo não abriria.

Ama-te porém quando estás vencido
E lhe falas de coração…
E fala a tua língua se estiveres bêbado,
Ainda que para a profanação da alma isso pouco importe…

Uma coisa é certa:
Tens de ser livre primeiro e a todo o custo!
… que é dizer oferecer-lhe a tua liberdade
Para que ela te amarre.

E seres dela!

Porém, como no amor,
Tens de pôr-te a jeito de levar umas chapadas
Por quem amas.

Tens que defendê-la,
Não em seminários sobre o amor eterno,
Mas sobre todas as coisas…

Porque ela é mulher
E gosta de sapatos!
E os sapatos não são só de calçar…

Tanto pisam
Como entesam…


3 de mai. de 2013

Sentimentauro



De todos os venenos que provei
Dos copos por onde bebi
Dos cigarros que fumei
Das esteiras frias onde me deitei
E me adoeceram…

Das bofetadas que me dei
E me doeram

Dos acidentes de automóvel
Ou ser levado em maca para uma sala de operações,
De forçar o peito ao mundo e ouvi-lo rachar
O mundo a rachar…

Nada me preparou para a fina flor
Do amor que te pus em redoma
E caí como Kong
Do alto dos meus sonhos
Contra um chão de formigas necrófagas.

Vende-se bem o amor a quem sente pouco…

Mostrar sentimentos não é para os homens!
O único sentimento que a um homem se permite é o KO
Dentro do ringue…
A única insegurança: - querer a desforra!

Lutar!
Lutar sempre!
Lutar, lutar, lutar…
E ser um bronco para mandar no amor,
Imune a perfumes…

Instalar andaimes firmes por onde os sentimentos possam discorrer
Como água da chuva
Para dar sentido à construção.

Faz sentido um homem à chuva em tronco nu
Como se ela não existisse,
Ainda que isso pareça estúpido num alentejano quieto à beira da estrada…
Mas os sentimentos são como as fotografias e não basta existirem para serem reais:
- Têm de ser bem tirados!


24 de abr. de 2013

Desejo



- Podemos estar ambos errados e, no entanto, as probabilidades jogarem a nosso favor…
- Até porque esta vida são dois dias…
- Exacto, e o Carnaval são três…
- E como é Carnaval…
- Ninguém leva a mal, pois claro!
- Vamos dar outra oportunidade ao nosso casamento?
- Não, vamos só foder pelos velhos tempos...




22 de abr. de 2013

vamos devolver a máquina


tantas foram as fotografias que tirámos com esta máquina
e, agora, algumas, já não as lembramos: tempo a morrer.
outras quisemos esquecer e não executamos o movimento.  

existe uma imagem mais alta do que os telhados,
um ruído que se desprende dos outros e nos toca;
existem sinais por todo o lado, não pretendo olhar,
não olhes também. tenta dormir, sim, tenta dormir.
ensinaram-nos a contar as horas, a ferver a água,
a saltar e a olhar o céu. apontámos a um só avião
e vimo-lo sem querer. talvez nos fosse inevitável.

- dizem que não nos vê lá de cima…

dizem tanta coisa. há quem afirme o nosso sono,
a nossa cegueira, a nossa sorrateira existência.
dizem tanta coisa. por experiência, fugimos,
sabemos não ouvir. mas existe uma imagem,
ela paira sobre os telhados, sobre o nosso sonho.

um gigante de promessas em ferrugem, um rosto,
que se assemelha àquele que tivemos um dia.
se ele nos falasse, creio, não seria razão de receio,
mas ele não se distrai, o seu tempo é outro. agora
somos somente sombras com dores abstractas.
ai!...
mas disseram-me que ele não nos vê lá de cima…

incapazes de destruir o gigante moribundo,
que já só anseia por morrer numa rua qualquer,
escondida das nossas coordenadas, vamos mentindo,
tentamos formatar os risos de outrora, mas o mundo…

o gigante a contorcer-se e assumir-se brinquedo;
o passado a sorrir-nos e dizer-nos que é tarde.
ele tombará sobre o nosso enredo, não há saída.
vamos devolvê-la, agora, antes que se estrague.

a máquina tem de sobreviver, porque a vida…

21 de abr. de 2013

Taxi Driver



O táxi seguia rápido para o meu vagarosismo mental que acelerava. Queria teleportar-me para escrever. Escolhera o banco de trás para não falar, como se guardasse pela vida toda -  uma mochila - segredando aos néons ou segredado por eles uma história de prostitutas…

Tudo fazia sentido, comigo a achar que não havia sentido nenhum… e aquele carro a levar-me para um apartamento onde eu sabia que iria para foder... de boa vontade!
Achando nisso depois decadência nas persianas mal corridas às primeiras frestas de luz com que a manhã lambia o nosso ninho (e a estante dos teus livros)…

Depois até casa, com vigor no caminho, e uma piscina de sensações a esfregar-me com sabão a alma num tanque – a roupa empestada de fumo, de tabaco, de memórias fodíferas… o sol bronzeando a minha errância...
Sorrisos cúmplices, no passeio, com meninas desejosas de tatuagem…

O sorriso delas brinca
E o brinco delas, no umbigo,
Rima comigo…

Passo por nós e por Deus
Enquanto na esplanada brigam os bêbados….