31 de jan. de 2008

Pomares

...

Acordamos no pomar

E alguém correu logo a fazer um braçado de fruta

E o outro atrás construiu uma cabana com a madeira da árvore

E negociou-lhe a fruta com abrigo

Que venderam para comprar fogo de artifício

E encher de cor os olhos

De quem ficou com fome.

Esforçaram-se muito,

E estudaram o comportamento das pessoas

Para lhes dar mais do que fogo de artifício e menos fruta,

Mais palavras e uma nova religião

E menos pão.


Mas houve quem não achasse isto bem

E subiu a uma das poucas árvores que havia

E falou ao povo.

E o povo como estava com fome ouviu o que lhe pareceu

E foi todo em debanda e euforia

Buscar mais do que lhe cabia.

E na cabana do que deitou abaixo a árvore

Ficou a reinar o homem que as subia.

O homem envelheceu

E ficou a governar a família.

Cedo o mais velho dos filhos fez conta

De tomar como seu o que de todos foi um dia.


Eu,

Sem espelho por dentro para aquela ideologia,

Fiz-me ao monte a ver se lhe fugia.

Mas vieram taxar-me o promontório

Por estar nos limites do território.

Como eu não uso dinheiro

Fiquei sem terra, sem casa, sem quinteiro.

Levaram-me as galinhas e os patos

Calaram-me com paus as cobras e os lagartos.

Sem víscera firme para me ter desalojado

Ou gratidão perene em ser transladado,

Fiz-me viajante de um tempo adiante…

Mas era sempre o mesmo fado,

Um carrossel de arrumar a trouxa vezes sem conta

E desaparecer no eixo do outro lado.

E mal se ouvia aquele bruaá da banda

Eu dizia para comigo: - “Anda!”

E andava…


Já velho,

Sem recobro nem esperança,

Ou botas de um amanhã com devir,

Vejo taxarem-me o planeta,

Como se fosse possível mudar para um cometa

Onde a vida fosse em si uma vitória

Sem capítulos de comprar cada uma a sua história.

Choro ao ver que a humanidade assim se fulmina

E chamam-me, a rir, poeta…


...

30 de jan. de 2008

geração Rasca

Antes "Rascas" que ser
o orgulho dos meus pais,
que os velhos da minha idade
ainda que iguais,
são mais parecidos com meus pais
do que eu sem liberdade.

MacamBúzio

Mesmo assim, podes chamar-me por um búzio
mas não uses o telefone.

A Filosophia da Real Faca

De Vespeira Sangue dizia:
"A uma bela dama
que passe pela minha cama
eu ofereço a minha filosophia".

Ninguém realmente o conhecia
e todo o corpo feito
que se alongasse no seu leito
não mais via a luz do dia.

Argumento

Vivemos em Democracia só porque se vota livremente?
Até o travesti se parece com a mulher!
"Poupar-vos-ei ao relato atribulado a que, por circunstâncias meramente fortuitas, me tornei geladeiro e, pouco a pouco, me fui devotando ao meu ofício.

Sou um Homem de Paz!

Um dia, quem sabe, ser um criminoso, um proscrito em permanente rebelião contra uma lei social cega e aberrante. Não sei. Sei que nunca poderia ser político! Engrossar o cortejo dessa corja que põe e dispõe do ser humano, guiando-o para um devir cada vez mais favorável à condição de rastejante..."

ln "Comédia de Deus", de João César Monteiro


13 de jan. de 2008

Reunião

Voltamos a reunir a turma de liceu. Apareci lá para rever uns camaradas e conversar. Mas sai-me sempre a mesma rifa deprimente: os meus comparsas sem brilho nos olhos, integrados e com filhos no colo; as moças exibindo os seus andores e a digladiar sucessos como nos filmes americanos de um domingo à tarde. Neste conjunto, sobra pelo menos um adolescente. Porém, a solidão, ainda que na ventura, é comparável a uma refeição gourmet num rail de autoestrada.

s/ título

Não me importam as certezas.
São como os amores consumados:
arrumados na extinção.